O Prefácio do Senhor

Jeffrey R. Holland

Élder Jeffrey R. Holland, “The Lord’s Preface (D&C 1)[O Prefácio do Senhor (D&C 1)]” em Sperry Symposium Classics: The Doctrine and Covenants, redação de Craig K. Manscill (Provo e Salt Lake City: Religious Studies Center [CER], Universidade Brigham Young, e Deseret Book, 2004), 23-34.

"O nascimento de todas as coisas é frágil e delicado," disse Michel de Montaigne, "e portanto devemos fitar nossos olhos em inícios." [1] Neste capítulo eu gostaria de chamar atenção ao início do livro de Doutrina e Convênios, especificamente à seção 1, revelada pelo Senhor como "o prefácio do livro de . . . mandamentos" (D&C 1:6).

Ao examinarmos a seção 1, é tão óbvio como é importante notar que esta não foi a primeira das revelações do Profeta Joseph, nem a vigésima, nem a qüinquagésima. Como os irmãos sabem, foi recebida no dia 1º de novembro de 1831 em Hiram, Estado de Ohio, depois que ele recebera mais de sessenta revelações que hoje constituem as primeiras seções de Doutrina e Convênios. Quanto à seqüência das revelações ela foi recebida depois da atual seção 66 e antes da seção 67.

O que havia nesta instrução divina que a destacou, justificando sua retirada do meio da compilação das revelações e colocando-a no início, ou prefácio, das revelações modernas? Talvez as respostas sejam óbvias e basta dizer aqui que é sem dúvida uma introdução notável de um livro notável e concordamos com entusiasmo com a avaliação do Élder John A. Widtsoe: "Um bom prefácio deve preparar o leitor para o conteudo do livro. Deve ajudá-lo a compreender o livro. Deve mostrar de forma resumida todo o conteudo do livro. A seção 1 de Doutrina e Convênios é um dos grandes prefácios que possui a humanidade" [2]

Não se sabe exatamente quando o Profeta começou a registrar as principais revelações que recebeu mas sua história pessoal indica que até princípios de 1829 ele já as escrevia com regularidade e que em 6 de abril de 1830, ao organizar a Igreja, recebeu uma revelação que mandou a Igreja manter um registro de suas atividades. Dado que aqueles conselhos são importantes com relação ao que sucedeu na Conferência de Hiram, permitam-me citar:

"Eis que um registro será escrito entre vós; e nele serás [Joseph Smith] chamado vidente, tradutor, profeta, apoóstolo de Jesus Cristo, élder da igreja pela vontade de Deus, o Pai, e pela graça de vosso Senhor Jesus Cristo,

"Portanto vós, ou seja, a igreja, dareis ouvidos a todas as palavras e mandamentos que ele vos transmitir à medida que ele os receber, andando em toda santidade diante de mim;

"Pois suas palavras recebereis como de minha própria boca, como toda paciência e fé.

"Porque, assim fazendo, as portas do inferno não prevalecerão contra vós; sim, e o Senhor Deus afastará de vós os poderes das trevas e fará tremerem os céus para o vosso bem e para a glória de seu nome" (D&C 21:1, 4-6).

Repetiram-se estas palavras e orientação quase vinte meses mais tarde quando havia um ambiente de mais contenda e menos disposição de aceitar por completo o papel profético de Joseph. Logo nos referiremos a este fato.

Censura do Profeta

Durante 1830 e 1831 o Profeta continuou a receber revelações, pondo as mais importantes no papel. Lá pelo outono de 1831 ele achava que estas revelações, mais aquelas que anteriormente havia registrado, eram de importância suficiente de justificar a publicação delas como livro. Com este propósito, Joseph convidou os membros do sacerdócio a reunir-se em Hiram durante os primeiros dois dias de novembro de 1831. Então ele propôs àquele grupo que estas sessenta ou mais revelações fossem aceitas como escrituras canonizadas e publicadas sob o título de Livro de Mandamentos. Por isso o grupo fez um estudo dos escritos compilados e, embora nossas informações não sejam completas, a ata indica que houve critíca por parte de certos membros presentes contra a linguagem das revelações.

Durante esta discussaõ se recebeu a seção 1 como o prefácio revelado para a proposta compilação e nesta revelação se aconselha paciência quanto à linguagem: "Eis que eu sou Deus e disse-o; estes mandamentos são meus e foram dados a meus servos na sua fraqueza, conforme a sua maneira de falar, para que alcançassem entendimento" (D&C 1:24).

Porém William E. McLellin ainda não estava convencido e por fim desafiou o Profeta em pleno público, alegando que Joseph tivesse inventado em sua própria mente algumas das partes das revelações. Devido a este desafio, recebeu-se a seção 67:

"E agora eu, o Senhor, vos dou um testemunho da veracidade desses mandamentos que estão diante de vós.

"Vossos olhos têm estado sobre meu servo, Joseph Smith Júnior, e sua linguagem e suas imperfeições vós conheceis e em vosso coração tendes procurado conhecimento para exprimir-vos em melhor linguagem do que ele; isso também sabeis.

"Ora, no Livro de Mandamentos procurai o menor deles e escolhei o mais sábio dentre vós;

"E, se houver entre vós alguém que produza um semelhante, então sereis justificados em dizer que não sabeis se são verdadeiros;

"Mas se não conseguirdes produzir um semelhante, estareis sob condenção se não testificardes serem eles verdadeiros.

"Pois sabeis que nenhuma injustiça há neles e o que é justo vem do alto, do Pai das luzes" (D&C 67:4-9).

Agora peço-lhes que se lembrem dos mandamentos e das advertências da seção 21, dada quase vinte meses antes disso: a luz foi prometida àqueles que apoiavam Joseph e as revelações e a escuridão prometida para aqueles que os negavam.

Naturalmente McLellin se achava capaz de aceitar o desafio. Só um professor teria achado que estava tão bem preparado (uma advertência solene para nós que somos do Sistema Educacional da Igreja). A sós ele tentou escrever o que soava como revelação para ele. Mas se provou que, como disse o Profeta Joseph, ele tinha "mais instrução do que bom senso." [3] Depois de uma noite longa ele apareceu no dia 2 de novembro perante os participantes da conferência e, com lágirmas nos olhos, pediu perdão ao Profeta, aos irmãos e ao Senhor. Ele havia fracassado de forma arrasadora, quase que não podendo escrever palavra alguma. Tal fracasso total por parte de uma pessoa tão respeitada teve um efeito profundo na conferência. Cada portador do sacerdócio por sua vez se levantou e prestou testemunho da comunicação de Deus com o Profeta Joseph e as revelações que foram concedidas. Após estes testemunhos a conferência autorizou a publicação do Livro de Mandamentos e designou que Oliver Cowdery fosse a Independence, Estado de Missouri, para supervisionar a publicação.

Assim o testemunho decisivo da seção 1 referente ao papel profético e o processo de revelação não consiste somente no conteúdo da seção, que vamos examinar, como também no contexto histórico em que ela foi recebida. Neste sentido, o que é o prefácio é tão importante à Restauração como o que ele diz. De um modo muito real, a fé e o compromisso dos santos pioneiros para como estas revelações estavam em jogo no próprio momento que eram compiladas. Eles simplesmente tinham que saber-ou tinham que vir a saber-que, questões de gramática, emprego de palavras e retórica à parte, estas revelações não foram a invenção de uma imaginação fértil e vívida. O futuro da igreja nova estava em perigo. Ou, para ser mais preciso, a salvação de almas individuais estava em perigo. Para eles e para nós, a ordem do Senhor é simples e sem ambiguidade: "Examinai estes mandamentos, porque são veradeiros e fiéis; e as profecias e as promessas neles contidas serão todas cumpridas. O que eu, o Senhor, disse está dito e não me desculpo; e ainda que passem os céus e a Terra, minha palavra não passará, mas será toda cumprida, seja pela minha própria voz ou pela voz de meus servos, é o mesmo" (D&C 1:37-38).

Isto pode parecer uma coisa de pouca importância aos Santos dos Últimos Dias de quarta e quinta geração mas desconfio que não foi algo de pouca importância nem para o Profeta Joseph nem para os fiéis e nem para os cépticos que tinham que labutar para fazer as pazes com sua própria consciência e com o Senhor. Em verdade sentimos a dolorosa emoção na frase escrita pelo Profeta Joseph naquele dia: "Era uma responsabilidade terrível escrever em nome do Senhor." [4] De fato era e agora William E. McLellin e os outros também compreendiam isso. Talvez nisso vejamos mais uma vez a sabedoria do Senhor em chamar um moço quase iletrado para ser o instrumento pelo qual Ele falaria. Posto que fracassou o letrado irmão McLellin, parecia obviamente claro que nem o Profeta Joseph nem qualquer outro homem era capaz, por si mesmo [sem Deus], de revelar profecias que se cumprissem ou de escrever revelações que tivessem o espírito familiar da divindade. O élder Orson F. Whitney certa vez notou que um homem arrogante e vão que ridicularizava os provérbios de Salomão havia comentado: "Qualquer pessoa pode fazer alguns provérbios." A réplica era simples: "Procure fazer alguns."

Em termos de sua mensagem inerente e do confronto breve, porém dramático, do qual surgiu, a seção 1 estabelece para o livro todo e nós o papel profético, o processo divino, a realidade da revelação do Onipotente e a impossibilidade de pretensão, engano e falsificação. Logo nestes casos se descobrem os impostores, homens que só são homens e não homens de Deus.

A Jornada Prototípica

Agora vejamos a própria revelação. Desde o tempo em que Homero mandou Ulisses para a guerra e tentou trazê-lo de volta, a alusão a uma jornada ou a uma busca ou a uma odisséia tem sido um dos grandes temas da literatura mundial. Sem fazer uma pesquisa geral da literatura, pode-se notar que este tema aparece muito mais nos grandes escritos religiosos do mundo.

Um dos grandes poemas religiosos é a Divina Comédia de Dante. Quem entre os irmãos conhece o poema, e todos nós devemos conhecê-lo, sabe que não se trata só de uma jornada mas também, de certo modo, se trata de uma autobiografia da alma.

O declínio e ascenção da Divina Comédia, que é propositalmente bíblica, representam a Queda e a Expiação, a morte e a ressurreição e destacam a doutrina bem conhecida da jornada de Cristo. Nesta obra, Dante, acompanhado de Virgílio, começa a descida ao inferno na tarde da sexta-feira santa. Descem, degrau por degrau, até os círculos mais profundos do inferno. Daí os dois reaparecem de manhã na Páscoa prontos para subir ao céu. Dante luta para subir a montanha precipitosa. Nas saliências do monte estão outras almas penitentes, preparando-se para a disciplina de uma vida celeste. Ao aproximarem-se do cume, Estácio, que acaba de fazer penitência, se re&uacutene com eles e os três sobem até lá em cima onde encontram o paraíso. Dois séculos e meio mais tarde, John Bunyan usaria aspectos desta mesma viagem para escrever a alegoria cristã mais influente que já se escreveu em língua inglesa, Pilgrim's Progress [O Peregrino]. Refiro-me a estes escritos não canonizados e não proféticos para que eu possa focalizar numa experiência semelhante, mas bem mais literal, que aparece na seção 1, experiência esta que foi recebida por meio de revelação divina para um profeta vivo de Deus. Estas passgens iniciais são em si um símbolo para o resto do livro de Doutrina e Convênios, uma divina comédia. Isto não quer dizer que a seção é cômica. A comédia, no sentido literário, desce para depois subir, levando à felicidade, paz e satisfação. A tragédia, por outro lado, depois de ascender desce, levando à dor, à maldição e, muitas vezes, à morte.

Um Começo Agourento

A seção 1, obviamente, é mais parecida com Deuteronômio do que Dante mas mesmo assim a jornada do povo de Deus está aí, ou em poezia, ou na areia de Sinai ou na selva do Estado de Ohio. Israel, antigo e moderno, está sempre em movimento. Notem o tom agourento destas passagens que nos dão uma vista literal do inferno contra o qual devemos advertir. A seção já de começo é ominosa e logo se torna mais severa.

"Escutai, ó povo da minha igreja, diz a voz daquele que habita no alto e cujos olhos estão sobre todos os homens; sim, em verdade vos digo: Escutai, ó povos distantes e vós que estais nas ilhas do mar, escutai juntamente.

"Pois em verdade a voz do Senhor dirige-se a todos os homens e ninguém há de escapar; e não haverá olho que não veja nem ouvido que não ouça nem coração que não seja penetrado.

"E os rebeldes serão afligidos com muita tristeza, porque suas iniqüidades serão proclamadas em cima dos telhados e seus feitos secretos serão revelados.

"E a voz de advertência irá a todos os povos pela boca de meus discípulos, que escolhi nestes últimos dias.

"E eles irão e ninguém os deterá, porque eu, o Senhor, os mandei ir.

"Eis que esta é a minha autoridade e a autoridade de meus servos e o meu prefácio ao livro de meus mandamentos, os quais lhes dei para que os publicassem para vós, ó habitantes da Terra.

"Portanto temei e tremei, ó povos, porque o que eu, o Senhor, neles decretei, neles será cumprido.

"E em verdade vos digo que àqueles que saírem para levar estas novas aos habitantes da Terra será dado poder para selar, tanto na Terra como nos céus, os incrédulos e rebeldes;

"Sim, em verdade, selá-los para o dia em que a ira de Deus se derramar sem medida sobre os iníquos-

"Para o dia em que o Senhor vier recompensar cada homem de acordo com suas obras e medir cada homem com a mesma medida com que ele houver medido seu próximo.

"Portanto a voz do Senhor chega aos confins da Terra, para que ouçam os que quiserem ouvir:

"Preparai-vos, preparai-vos para o que está para vir, porque o Senhor está perto;

"E a ira do Senhor está acesa e sua espada está lavada nos céus e sobre os habitantes da Terra caírá.

"E o braço do Senhor será revelado; e chegará o dia em que aqueles que não ouvirem a voz do Senhor nem a voz de seus servos nem atenderem às palavras dos profetas e apóstolos serão afastados do meio do povo" (D&C 1:1-14).

É óbvio nestes catorze versículos que nos vemos em grandes apuros. é como se descêssemos a um momento tenebroso em que o braço do Senhor se revela, sua ira está acesa, sua espada está lavada nos céus para logo cair sobre os habitantes da Terra. Cairá pelo menos (Note bem, William E. McLellin.) sobre aqueles que "não ouvirem a voz do Senhor nem a dos seus servos e que não atenderem às palavras dos profetas e dos apóstolos." Aqueles serão "afastados do meio do [meu] povo" (D&C 1:14). Obviamente a espada dos céus não somente estava sobre o mundo como também sobre aqueles que haviam se reunido na conferência de Hiram. Não se esqueçam da saudação inicial da seção 1, "ó povo da minha igreja."

Descida à Idolatria

Voltemos à descida infernal. é justmante aqui que vemos a derradeira transgressão dos nossos dias, o pecado de nossa dispensação, sim, o pecado fundamental de todas as dispensações. Nos versículos 15 e 16 chegamos à essência, ao último círculo aonde as pessoas, inclusive as da Igreja, podem descer se não forem fiéis em todos os sentidos às revelações de Deus. O Senhor diz: "Pois desviaram-se de minhas ordenanças e quebraram meu convênio eterno. Não buscam o Senhor para estabelecer sua justiça, mas todo homem anda em seu próprio caminho e segundo a imagem de seu próprio deus, cuja imagem é à semelhança do mundo e cuja substância é a de um ídolo que envelhece e perecerá em Babilônia, sim, Babilônia, a grande, que cairá" (D&C 1:15-16). Babilônia é, nas escrituras, o símbolo figurativo da vida decadente, ou seja, tudo neste mundo que não seja justo. E é justamente para Babilônia que tínhamos descido no versículo 16. No meio do pecado e dos pecadores encontramos o maior pecado de todos: infidelidade e desobediência na sua forma mais fatal-a idolatria.

Dos dez grandes mandamentos dados no Monte Sinai, o primeiro, o principal, o que permanece é:"Não terás outros deuses diante de mim"; e, caso não entendêssemos, "Não farás para ti imagens de escultura" (êxodo 20:3,4). Entre as dez leis escritas nas duas tábuas de pedra, Jeová usa dois décimos, um quinto, 20% daquele espaço precioso para estabelecer dois mandamentos que, se não forem compreendidos e guardados, tornarão todos os outros inúteis, tanto nesta vida como na eternidade. Por importantes que sejam os mandamentos de honrarmos nossos pais, de santificarmos o dia do sábado, de sermos honestos e de nos mantermos castos e preservar a vida dos outros, nenhum deles terá o poder redentor e santificador que deve ter, se não entendermos primeiro que Deus é nosso Pai e que nós somos seus filhos e que não devemos ter outra lealdade que possa nos afastar dele.

No entatno essa foi o estado da deslealdade do mundo ao entrar no século dezenove. Ademais ficou claro que o mundo é até mais desleal hoje em dia. Como povos do mundo, temos desviado das ordenanças e quebrado os convênios e não estamos buscando o Senhor para estabelecer sua justiça. Na verdade estamos andando em nosso próprio caminho segundo nossos próprios deuses cuja imagem é à semelhança do mundo e cuja substância é a de um ídolo. As chamas e o dedo de Sinai apontam e acusam nossos dias. Os irmãos devem se lembrar deste comentário do Presidente Spencer W. Kimball:

"As autoridades clamam constantemente contra aquilo que o Senhor não tolera: contra a poluição da mente, do corpo e do meio ambiente; contra a indecência, o furto, a mentira, o orgulho e a blasfêmia; contra a fornicação, o adultério, o homossexualismo e todos os outros abusos do poder sagrado da procriação; contra o assassínio e tudo que é semelhante; contra toda sorte de dessacralização.

"Espanta-me que tal clamor seja necessário entre um povo tão abençoado. E para mim é quase que incrível que tais pecados se acham até entre os Santos, pois somos um povo que possui muitos dons do Espírito, que tem o conhecimento que dá perspectiva à eternidade e que conhece o caminho para a vida eterna.

"Infelizmente, porém, descobrimos que conhecer o caminho não signifa andar nele e há muitos que ainda não conseguem permanecer fiéis. Estes se submeteram, de uma forma ou outra, às tentações de Satanás e de seus servos e uniram-se àqueles 'do mundo' que levam vidas que se aprofundam cada vez mais na idolatria.

"Uso a palavra idolatria de propósito. Ao estudar as escrituras antigas, convenço-me mais e mais de que há muito sentido no fato do mandamento: 'Não terás outros deuses diante de mim' ser o primeiro dos Dez Mandamentos.

"Poucos homens consciente e deliberadamente decidem rejeitar Deus e sua bênção. Em vez disso, como aprendemos através das escrituras, o homem carnal tende a transferir sua confiança em Deus para as coisas do mundo porque exercer a fé sempre se torna mais difícil do que confiar nas coisas materiais, próximas de nós. Portanto, em todas as épocas quando os homens cedem ao poder de Satanás e perdem a fé, colocam em seu lugar a esperança "no braço da carne" e nos "deuses de prata, de ouro, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra, que não vêem, não ouvem, nem sabem" (Daniel 5:23.)-ou seja, nos ídolos. Tenho notado que a idolatria se trata de um tema dominante no Velho Testamento. Aquilo que o homem ama e em que confia mais se torna seu deus e se este deus não for o Deus vivo e verdadeiro de Israel, aquele homem está praticando a idolatria. . . .

"Apesar de nosso prazer em definir-nos como sendo modernos e apesar de nossa tendência de pensar que possuímos uma sofisticação que nenhum outro povo do passado possuía-apesar destas coisas, somos de modo geral um povo idólatra-uma condição muito repugnante ao Senhor." [5] Os homens são, como disse certa vez Oliver Wendell Holmes, idólatras de coração, e se não nos conscientizarmos disso e não nos defendermos contra a tendência para este pecado tão maligno, como adverte este grande prefácio de Doutrina e Convênios, não tiraremos proveito de nenhum dos conselhos que seguem nas outras seções e até nos outros livros padrão. Simplesmente não haverá ordenanças nem revelações nem ensinamentos suficientes para salvar nossa alma, se não guardarmos o primeiro e grande mandamento: "Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças" (Deuteronômio 6:5). Este fato incontestável parece ser o fundamento da mensagem do prefácio do Senhor.

Aqueles versículos (D&C 1:15-16), o confronto essencial com nossos pecados num mundo em perigo das chamas do inferno e com medo da espada lavada nos céus formam o ponto de viragem da revelação. Formam o ponto de viragem da vida de quem faz a jornada. Se quisermos responder, se quisermos transformar nossa vida e o futuro do mundo e o significado desta dispensação, o versículo 17 será como água na língua do atormentado. "Portanto eu, o Senhor, conhecendo as calamidades que adviriam aos habitantes da Terra, chamei meu servo Joseph Smith Júnior e falei-lhe do céu e dei-lhe mandamentos" (D&C 1:17).

Ascenção de Babilônia ao Céu

Há uma hora de decisão para a dispensação toda. Foi Joseph o que se dizia ser? São estas revelações o que se alega que são? É este o caminho do Mestre? Este versículo marca o momento desta "história" em que, se quisermos, poderemos iniciar a subida, saindo dos círculos do inferno, das cadeias de Babilônia. Nosso Pai, o Deus dos céus e da Terra, conhecendo as calamidades em que o mundo se amaranhava, mais uma vez falou a um profeta e deu-lhe mandamentos. Aqui e somente aqui-nas revelaçoes concernentes aos princípios e ordenanças do evangelho de Jesus Cristo-há segurança. Esta é a mensagem dos Santos dos Ùltimos Dias para um mundo pecador e idólatra.

Outra vez se nota que tal voz profética pode ser humana e imediata, morando na casa do lado ou na fazenda mais próxima. Pode ser que ele use linguagem imperfeita mas é porque "as coisas fracas do mundo virão e abaterão as poderosas e fortes" (D&C 1:19). E assim é que o Profeta Joseph e seus sucessores procederam "que todo homem, porém fale em nome de Deus . . . ; para que a fé também aumente na Terra; para que o meu eterno convênio seja estabelecido; para que a plenitude do meu evangelho seja proclamada pelos fracos e pelos simples aos confins de Terra e perante reis e governantes" (D&C 1:20-23). Com este tipo de passo acelerado podemos enxergar a ascenção pela montanha rumo à "terra prometida," e este, em verdade, é o objetivo e promessa do evangelho de Jesus Cristo. A seção 1 nos assegura que estas revelçaões corrigirão aqueles que estiverem no erro. Elas instruirão aqueles que com honestidade procurarem a sabedoria. Elas repreenderão ao pecador para que siga o caminho redentor do arrependimento. E ao longo do caminho aqueles que se humilharem se fortalecerão e receberão conhecimento do Altíssiomo de tempos em tempos. Assim com este aumento de progresso, ascendendo da longa noite de apostasia e erro em que o mundo jazia, manifestou-se o poder de lançar os alicerces da Igreja e tirá-la da obscuridade e das trevas.

Em tudo isso o Senhor não pode encarar o pecado com o mínimo grau de tolerância mas como o Profeta Joseph disse: "Para os homens que pecam e se perdem haverá oportunidade de arrependerem-se." [6] As promessas são para todos: "Eu, o Senhor, estou disposto a tornar conhecidas estas coisas a toda carne; porque não faço acepção de pessoas e desejo que todos os homens saibam que o dia rapidamente se aproxima . . . quando . . . o Senhor terá poder sobre seus santos e reinará em seu meio e descerá para julgar Iduméia, ou seja, o mundo" (D&C 1:34-36). E aí, completando o círculo de onde partimos: "Examinai estes mandamentos, porque são verdadeiros e fiéis; e as profecias e as promessas neles contidas serão todas cumpridas. O que eu, o Senhor, disse está dito e não me desculpo; e ainda que passem os céus e a Terra, minha palavra não passará, mas será toda cumprida, seja pela minha própria voz ou pela voz dos meus servos, é os mesmo. Pois eis que o Senhor é Deus e o Espírito testifica; e o testemunho é verdadeiro e a verdade permanece para todo o sempre. Amém." (D&C 1:37-39).

Indepentente das outras coisas que possa ser, o livro de Doutrina e Convênios certamente é um documento revelador de mandamentos abundantes e de pronunciamentos proféticos. Estas comunicações foram reveladas pelo Urim e Tumim, por visão aberta, pela voz mansa e delicada, por uma voz audível, pela tradução de escrituras, por anjos, por orações dedicatórias, por cartas, por instrução, por declarações de crença e de história, por ordenanças sacerdotais, por respostas a perguntas sobre as escrituras, por profecias, por atas de reuniões e assim por diante, para destacar em alto relevo o princípio essencial, absoluto, inevitável e apoiador da revelação do evangelho de Jesus Cristo na dispensação mais plena. E para que são dadas as revelações? Para destruir as imagens de escultrua de nossos dias, para reestabelecer Deus como Pai de seus filhos, para restaurar os convênios que ligam o céu com a Terra os quais o príncipe das trevas em baixo da Terra gostaria que nós distorcêssemos. Na linguagem do próprio Doutrina e Convênios, recebem-se as revelações para "compreenderdes e saberdes o que adorais, para que venhais ao Pai em meu nome e, no devido tempo, recebais de sua plenitude" (D&C 93:19), para compreendermos e sabermos o que adoramos para que venhamos ao Pai e recebamos de sua plenitude. Para este fim são dedicadas a dispensação, suas doutrinas e esta compilação de revelaçoes. Este é o propósito que o prefácio, a seção 1, declara. Certamente é um dos grandes prefácios que a humanidade possui. Esta é a minha oração: que tenhamos uma jornada bem-sucedida e feliz pelo restante das revelações deste livro, que possamos individual e coletivamente dar de costas a Babilônia e subir a montanha do Altíssimo para que nos regozijemos na sua presença através de praticar a justiça.

Notas

[1] Montaigne, "Of Managing the Will [Controlar a vontade]," Essays [Ensaios], tradução de Charles Cotton, redação de William Carew Hazlitt (1877).

[2] John A. Widtsoe, The Message of the Doctrine and Covenants [A mensagem do Doutrina e Convênios], redação de G. Homer Durham (Salt Lake City: Bookcraft, 1969), 11-12.

[3] Joseph Smith, History of the Church of Jesus Christ of Latter-day Saints [A história da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Úlitmos Dias], redação de B. H. Roberts, 2nd ed., rev. (London: Latter-day Saints' Book Depot, 1957), 1:226.

[4] Smith, History of the Church, 1:226.

[5] Spencer W. Kimball, "The False Gods We Worship [Os falsos deuses que adoramos]," Ensign, junho de 1976, 4, 6.

[6] Smith, History of the Church, 5:24.