Grandes São as Palavras de Isaías
Hugh W. Nibley
Hugh W. Nibley
Cheguei ao ponto de não ter mais nada que dizer. Quanto a mim, as escrituras dizem tudo. “E agora eis que vos digo que deveis examinar estas coisas. Sim, ordeno-vos que examineis estas coisas diligentemente, porque grandes são as palavras de Isaías. Porque ele certamente falou sobre todas as coisas relativas a meu povo, que é da casa de Israel; portanto é preciso que ele fale também aos gentios. E todas as coisas que ele disse foram e serão cumpridas de acordo com as palavras que ele disse” (3 Néfi 23:1-3). Apenas esta citação nos poupa a inconveniência de fazer apologia por Isaías. O livro de Isaías é um tratado para os nossos dias; a nossa própria aversão a ele é testemunho de seu grande valor. É necessário nos lembrar de sua importância, porém, pois a mensagem de Isaías não é popular, e ele nos diz por que. Os iníquos não gostam de ouvir a acusação de suas culpas. Toda sociedade, por corrupta que seja, tem algumas coisas de bom—senão não conseguiria sobreviver de um ano para outro. Convenhamos, não é mas agradável falar do bem do que do mal? O povo de Zaraenla, conforme disse Samuel, o lamanita, queria que os profetas falassem do que havia de bom em Zaraenla, e não do que havia de errado. Aqui há um grande perigo: o que há de certo numa sociedade mal pode prejudicá-la, mas somente uma falha séria pode destruí-la. Não se vai ao médico para saber o que está funcionando bem, e sim a causa da doença e as ameaças à saúde.
Porém, Isaías diz que o povo de Israel quer ouvir coisas bonitas: “Não profetizeis para nós o que é reto; dizei-nos coisas aprazíveis” (Isaías 30:10). Desde então o processo de interpretar Isaías tem sido o de fazê-lo aprazível. Considerem alguns exemplos conspícuos disso dos doutores e eruditos:
- A noçaõ de que Isaías só moraliza em vez de ensinar a doutrina. Porém, ele começa por chamar Israel os filhos de Deus (Isaías 1:2); ele insiste nisso ao longo do livro—Deus é seu Pai. É a primeira Regra de Fé. Mas os israelitas não querem enxergar (Isaías 1:3); não querem saber de doutrina (Isaías 1:4). Não enxergam nada que não queiram ver, diz Isaías. São funcionalmente cegos. Já de propósito cortaram as linhas de comumicação, mas se queixam de não receber nenhuma mensagem. O livro de Isaías está repleto de coisas óbvias, especialmente para os Santos dos Últimos Dias, que os outros não vêem. Os rabinos fazem escárnio da sugestão que Isaías realmente se refere a Cristo. Mas nós vamos muito além disso. Vemos nele o Livro de Mórmon e o chamado específico de Joseph Smith. E quem dirá que não temos razão?
- A idéia de que o Deus de Isaías é o Deus de ira, selvagem e vingativo, do Velho Testamento, o Deus tribal. Se é verdade, não precisamos levá-lo a sério. Estamos dispensados. Mas na realidade o Deus de Isaías é a própria bondade. “Vinde então, e argüi-me, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve” (Isaías 1:18). Nisto não há nada de autoritário; Ele está sempre disposto a palestrar e esclarecer. Suas declarações mais ameaçadoras são logo seguidas de mostras de que Ele está sempre disposto e preparado, esperando, incentivando e implorando com paciência. É Israel que não quer ouvir; eles é que cortam o diálogo e saem, virando as costas diante dele, pedindo-Lhe que se cale.
- A noção de Isaías se dirige somente a grupos especiais. Na verdade ele fala a pessoas boas e más—mas são as mesmas! Ai de Israel! Boas novas a Israel! É o mesmo Israel. E não fala somente a Israel, mas a toda a humanidade; ele se dirige às nações e a seus líderes, mas não fala somente à sua geração mas a todas. Néfi aplicou as palavras de Isaías a seu próprio povo no deserto “para nosso proveito e instrução” (1 Néfi 19:23). Seissentos anos depois, Jesus Cristo adverteu aos nefitas que fizessem igual, e o anjo Morôni entregou a mesmíssima mensagem à nossa geração. Isaías só tem uma audiência porque que só tem uma mensagem. Ele se dirige a quaisquer mortais na face da terra que precisem do arrependimento. Isto nos leva ao próximo ponto.
- A idéia de que há mais de um Isaías e que todos eles nos dizem coisas diferentes. Já que há somente uma mensagem e uma audiência, este argumento se torna trivial. A mensagem é a de alegria: “Arrependei-vos, e tudo será bem—melhor do que se pode imaginar!” A mensagem somente é cruel para aqueles que não pretendem arrepender-se. Isaías não faz distinção entre os bons e os maus, somente entre aqueles que se arrependem e aqueles que não. Ele não pergunta onde estamos—ele já sabe—só pergunta em que direção vamos. Naturalmente apenas aqueles que precisam arrepender-se podem-se arrepender, mas isso se aplica a todos, de igual modo. Será que uma pessoa precisa mais do arrependimento do que outra? Esdras e Baruque protestaram a Deus que, embora Israel tivesse pecado, os gentios agiram pior ainda. Por que, perguntaram eles, os gentios levaram uma pena mais suave? Mas Deus não aceitou o argumento deles. Sempre se pode achar alguém mais pecador que nós para sentirmo-nos mais virtuosos: aqueles terroristas, os perversos, os comunistas. São estes que precisam-se arrepender! Sim, com certeza precisam, e será um trabalho de tempo integral, exatamente como o é para todos nós.
- Os doutores de religião, tanto judeus como cristãos, gostam de elaborar a noção de que para Isaías o pecado supremo e imperdoável era a adoração de ídolos. Pois bem, o profeta diz que a idolatria é tola e contrária à razão, mas nunca diz que é o pecado imperdoável. A grande ilusão destes eruditos é que como pensadores modernos, iluminados e racionais fizeram uma descoberta maravilhosa: que bonecos de metal e madeira, bem como imagens de escultura realmente não podem ver, ouvir, etc. Labutam com afinco para salientar este ponto. No entanto os antigos eram tão cientes deste fato que nós. Era justamente por causa dos ídolos não poderem agir que os adoravam. Há uma história célebre do Paisano Eloqüente do Reino Médio do Egito que conta que o mordomo malicioso de uma grande propriedade, ao ver um camponês passar carregando mercadorias para o mercado, clamou: “Quisera que eu tivesse algum ídolo que me permitisse roubar as mercadorias daquele homem.” Uma imagem muda não se oporia a qualquer ação por parte dele. Eis a beleza dos ídolos: São tão impessoais e amorais como o dinheiro no banco, que, aliás, é o que equivale a um ídolo eficaz, tanto nos dias de hoje como nos tempos antigos.
- Isto se junta à idéia de que a maior virtude moral e intelectual era reconhecer que há um único Deus. Mais uma vez se trata de uma noção comum entre os antigos. Isaías não denuncia o politeísmo como o pior dos pecados. Na verdade, há vários pesquisadores que já mostraram que o politeísmo em si não é condenado em lugar algum na Bíblia. Certamente Isaías dá grande ênfase à unicidade. Não há meio termo. Há somente um caminho para o homem seguir, um Deus para Israel, e uma raça humana para servir. Para diluir este ensinamento desconfortável, os doutores o transformaram em exercício escolar.
- A idéia de que Isaías denuncia sobretudo as práticas pagãs. Mas eram os ritos e ordenanças que Deus havia dado a Moisés e que o povo praticava religiosamente que Isaías descreve como sendo exercício de futilidade desesperada.
Isaías Capítulo 1
A forma mais rápida de adquirir uma visão geral do imenso livro de Isaías é simplesmente ler o primeiro capítulo. Os eruditos acreditam há muito tempo que este capítulo não faz parte do livro original, mas que é um resumo feito por um discípulo. Mesmo que seja assim, é muito valioso, ademais, é notável que este, o capítulo mais famoso de Isaías, não é citado no Livro de Mórmon. Vamos examiná-lo versículo por versículo.
1:2. O povo de Israel são os filhos de Deus—Ele é seu Pai. Esta é a doutrina de que se esqueceram, mas não terão condições de recebê-la de novo até passarem por uma regeneração moral, a qual é a carga da pregação de Isaías.
1:3. Rejeitaram aquela doutrina. Recusam-se a ouvi-la.
1:4. Já que não conseguem suportar a doutrina no seu estado de iniqüidade, fogem dela. Isto é imperdoável; Deus não encara isso com tolerância. Ele sabe que são bem capazes de entender e viver o evangelho, de forma que Ele se tornou mais do que descontente; Ele se irou.
1:5. Porém não é ele quem tem-lhes dificultado as coisas. Eles mesmos se decidiram a seguir seu próprio caminho, fazendo abertamente rebelião contra Ele. E o sistema deles simplesmente não funciona. Não conseguem arcar mentalmente com a situação, nem têm espírito suficiente para vencer. O homem sem Deus é um pobre coitado.
1:6. Tudo está nojento, nojento, nojento. Todas as tentativas de se indireitarem fracassam. Nada funciona.
1:7. Isto resulta em depressão nacional e disastre internacional.
1:8. O povo escolhido de Deus está cercado, confiando no seu exército fracassado, presos dentro do muros de sua própria cidade.
1:9. A única razão pela qual sobreviveram até aí é porque ainda havia entre eles alguns justos, um remanescente de pessoas honestas.
1:10. É hora de considerar a alternativa que aqui Isaías lhes oferece.
1:11. Vós, com piedade fingida, não podereis contentar a Deus pela vã observância de ritos religiosos, ou seja, reuniões e sessões no templo.
1:12. Não é para vós decidirdes o que fazer para agradar a Deus—resta para Ele decidir, e Ele não vos exigiu toda esta mostra falsa de piedade.
1:13. Suas observâncias mais dedicadas, até as que seguem as ordens antigas de Deus, na verdade são iniqüidade quando feitas de espírito contrário ao amor a Deus.
1:14. Deus não está impressionado, e sim, revoltado por causa disso.
1:15. Mesmo quando orais, Deus não vos ouvirá. Por que não? Resposta: Porque há sangue nas vossas mãos erguidas.
1:16. O sangue e os pecados desta geração estão sobre vós no templo. Que sangue e pecados? Vossa iniqüidade.
1:17. Que iniqüidade? O que deveremos fazer? Resposta: Tratar as pessoas com justiça, aliviar aqueles que estão oprimidos pela dívida em vez de exigir-lhes pagamento, fazer justiça ao órfão e ajudar as viúvas; em outras palavras, mostrar respeito àqueles que não têm dinheiro.
1:18. Deus não é nem impulsivo nem arbitrário. É grandemente imparcial. Será o caminho dele o único caminho? Permitem-O a dizer-lhes o por quê, e vejam se concordam: “Vinde, então, e argüi-me, diz o Senhor.” Aí segue uma declaração surpreendente: “Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve.” É óbvio que Deus não se compraz nas admoestações; Ele não exulta da punição reservada para os iníquos assim como os homens às vezes exultam (Tomás de Aquino, por exemplo). Ele ama a todos e oferece-lhes promessas maravilhosas. Há uma saída, e é por isso que Isaías prega--não por ser repreendedor puritano.
1:19. Os judeus já ouviram o suficiente? Basta ouvir e seguir os conselhos, e tudo estará bem.
1:20. Mas não podereis proceder como dantes. Se continuardes do mesmo jeito, sereis arrasados pela guerra. “Pois a boca do Senhor o disse.” A “destruição decretada” de Doutrina e Convênios 87:6 é outra citação de Isaías.
1:21. Vós podeis vencer, porque de outrora já o fizestes. Mas daí perdestes tudo—cedendo a assassínios e concupicência desenfreados.
1:22. E para quê? Pertences e prazeres, prata que agora não tem valor e vinho estragado.
1:23. Os líderes é que dão o pior exemplo. Lidam com ladrões; todo o mundo recebe suborno: “Cada um deles ama as peitas, e anda atrás das recompensas.,” enquanto os pobres não recebem justiça e a causa da viúva não chega perante eles.
1:24. Deus não quer saber de tais patifes. Vai eliminá-los, pois se tornaram inimigos Dele.
1:25. Tudo isso exige uma limpeza geral. Todas as escórias serão purgadas.
1:26. Restaurar-se-á a antiga ordem para “restituir os teus juízes como foram dantes.” Ainda será possível, e Deus o fará acontecer. Ainda haverá “a cidade de retidão, a cidade fiel.”
1:27. Sião, com muitos conversos de fora, será redimida, ainda que algumas das mesmas pessoas iníquas continuem a viver lá.
1:28. O restante terá que sair, não porque Deus resolveu expulsá-lo, e sim porque eles próprios caminharão do lugar seguro para a destruição, e com olhos abertos rejeitarão o Senhor e serão consumidos.
1:29-31. Estes versículos são as únicas referências ao paganismo—seitas populares que se secarão e se queimarão. Elas não serão destruídas, porém, por seguir os ritos do paganismo, como os doutores, ministros e comentaristas gostam de dizer-nos, mas porque elas se ultilizam disso para encobrir suas práticas imorais, cruéis e gananciosas.
Os Vícios Mais Malignos
Para o restante deste ensaio tratarei das qualidades humanas que, conforme a descrição de Isaías, agradam ao Senhor e as qualidades que Ele odeia. Tanto essas como as outras são surpreendentes. Quanto às caraterísticas de comportamento que Isaías denuncia como os vícios mais malignos, são sem exceção os vícios de pessoas bem-sucedidas. A iniqüidade e tolice de Israel não consistem em preguiça, nem em não se vestir bem, usar cabelo comprido, ser não-conformista, promover idéias e programas liberais, radicais e não realistas, nem na irreverência às tradições, desdém para os ídolos estabelecidos, e assim por diante. O povo mais iníquo do Livro de Mórmon são os Zoramitas, um povo próspero, patriótico, empreendedor, trabalhador, corajoso, independente e orgulhoso que muito bem-vestidos observavam rigorosamente as práticas religiosas todas as semanas. Dando graças a Deus por tudo que lhes havia dado, prestavam testemunho de Sua bondade. Sustentavam-se em todos os seus atos por uma auto-imagem lindíssima. Pois bem, o que há de errado com tudo isso? Há um fato que estraga tudo, e é a mesmíssima coisa que deixa Israel de mal com o Senhor, de acordo com Isaías. Os judeus observavam estritamente as regras que Moisés lhes deu—“E eis . . . que clamam a Ti,” mas na verdade estão pensando em outra coisa. “Eis, ó meu Deus, seus suntuosos ornamentos . . . todas as coisas preciosas . . . seu coração está preso a estas coisas e, no entanto, clamam a ti, dizendo: Agradecemos-Te, ó Deus, por sermos um povo escolhido por ti, enquanto outros perecerão” (Alma 31:27-28).
Deus resome a causa de Sua ira contra Israel nestas palavras: “Pela iniqüidade de sua avareza me indignei, e o feri; escondi-me, e indignei-me.” E com que efeito? Isso não efetou o rebelde, pois “seguiu o caminho do seu coração” (Isaías 57:17). Como os Zoramitas, o Israel cobiçoso estava contente consigo mesmo, assim como nestes últimos dias. Israel moderno (nós) recebeu “uma maldição severa e dolorosa” por causa de “cobiça e palavras falsas;” isto é, ganância e hipocrisia (Doutrina e Convênios 104:4). Sem dúvida a maior acusação que Isaías faz contra os iníquos é a de “opressão,” ashaq em hebraico. Esta palavra significa estrangular, pegar o pescoço e apertar; levar a vantagem m´xima de quem está no seu poder, ou seja, tirar o lucro máximo. Tudo isso se centraliza em “Babilônia, . . . a cidade dourada,”—“o opressor” (Isaías 14:4), que nos proporciona uma vista instantânea da estrutura socio-econômica do mundo de Isaías. É uma sociedade competitiva e predadora, “E estes cães são gulosos, não se podem fartar; e eles são pastores que nada compreendem (Não sabem o que passa porque só se preocupam consigo mesmo.); todos eles se tornam para o seu caminho, cada um para a sua ganância, cada um por sua parte” (Isaías 56:11).
A acusação aplica aos nossos dias quando “todo homem anda em seu próprio caminho e segundo a imagem de seu próprio deus, cuja imagem é a semelhança do mundo e cuja substância é a de um ídolo que envelhce e perecer´ em Babilônia, sim, Babilônia a grande, que cair´” (Doutrina e Convênios 1:16). Babilônia havia florecido muito antes da época de Isaías, e iria florecer muito depois. Nos tempos dele, ela estava em ascenção, mas a palavra se emprega ao longo das escrituras como protótipo, ou modelo, de um mundo que se sustenta pela economia. Não há onde sua filosofia melhor se defina do que nas palavras de Corior: “Cada homem prosperava segundo sua aptidão e cada homem conquistava segundo sua força; e nada que o homem fizesse seria crime” (Alma 30:17).
Em Isaías, as pessoas bem-sucedidas vivem um carnaval. É como se dissessem: “Vinde, . . . trarei vinho, e beberemos bebida forte” (Isaías 56:12). Haverá drinques e festa na minha casa. E amanhã ainda mais, até melhor, e muito mais abundante. A economia parece forte; está tudo bem.
Isaías tem muito que dizer sobre o elite da alta sociedade em palavras que igualmente nos inquietam hoje em dia:
28:1. “Ai da coroa de soberba dos bêbados de Efraim, cujo glorioso ornamento é como a flor que cai, que está sobre a cabeça do fértil vale dos vencidos de vinho.”
28:2. “Eis que o Senhor tem um forte e poderoso (vento) que . . . com a mão derrubará por terra.”
28:3. “A coroa de superba dos bêbados de Efraim será pisada aos pés.”
28:7. Mas também estes erram por causa do vinho . . . e tropeçam no juízo.”
Ele descreve as pessoas mundanas: “Ai dos que se levantam pela manhã, e seguem a bebedice; e continuam até à noite, até que o vinho os esquente!” (Isaías 5:11). Espupefazem-se pelo ritmo da música que também se tornou parte da nossa vivência: “E harpas e alaúdes, tamboris e gaitas, e vinho há nos seus banquetes; e não olham para a obra do Senhor, nem consideram as obras de suas mãos” (Isaías 5:12). E, naturalmente, existe o servilismo à última moda: “Porquanto as filhas de Sião se exaltam, e andam com o pescoço erquido, lançando olhares impudentes; e quando andam, caminham afetadamente, fazendo um tilintar com os seus pés” (Isaías 3:16)—do jeito dos modelos de passarela. Uma lista de palavras de butique que só os entendidos de moda feminina conhecem diz-nos que “o Senhor tirar´ os ornamentos dos pés . . . as toucas, e adornos em forma de lua, os pendentes, e os braceletes, as estolas, os gorros, e os ornamentos das pernas, e os cintos, e as caixinhas de perfume, e os brincos, os anéis, e as jóias do nariz” (Isaías 3:18-21), e naturalmente roupas, “os vestidos de festa, e os mantos, e os xales, e as bolsas” (Isaías 3:22). O propósito de seus acessórios de beleza será derrotado quando cairem os cabelos e houver mau cheiro em vez de perfume (Isaías 3:24).
Naturalmente há o lado mais sombrio e repreensível do comportamento sexual: “Ouvi a palavra do Senhor, vós poderosos de Sodoma, . . . ó povo de Gomorra . . . como se fez prostituta a cidade fiel!” (Isaías 1:10, 21). Da mesma maneira que Néfi “aplicou todas as escrituras a nós, para o nosso proveito e instrução” (1 Néfi 19:23), já de cara Isaías não somente compara Jerusalém às cidades já desaparecidas há muito tempo de Sodoma e Gomorra, mas também declara que na verdade é Sodoma e Gomorra—mostrando-nos que tampouco podemos evitar esta acusação por sermos de outra época e cultura. Afinal, será que o cenário de hoje é tão diferente do de outrora?
O guarda-roupa caro reflete um mundo em que as pessoas lutam para impressionar e impor-se nos outros. Todos buscam uma carreira, todos querem tornar-se VIP: “O poderoso, e o homem de guerra, o juiz, e o profeta, e o adivinho, e o ancião, o capitão . . . e o homem respeitável, e o conselheiro, e o sábio entre os artífices, e o eloqüente orador” (Isaías 3:2-3). Que tal eles? “E dar-lhes-ei meninos por príncipes, e crianças governarão sobre eles” (Isaías 3:4). Tchau-tchau autoridade—e por quê? Porque cada um só se importa consigo mesmo neste jogo de procurar domínio sobre os outros: “E o povo será oprimido; um será contra o outro, e cada um contra o seu próximo (concorrência!); o menino se atreverá contra o ancião (o que mais se pode esperar?), e o vil contra o nobre” (Isaías 3:5). Perder-se-á por completo o controle. Um homem agarrará seu irmão, dizendo: “Tu tens roupa, sê nosso governador, e toma sob a tua mão esta ruína!” mas este recusará a grande honra, dizendo: “Não procurem fazer-me seu governador—estou sem um tostão furado!” (veja Isaías 3:6-7). Já que todos estarão sem dinheiro, Isaías continua: “Porque Jerusalém está arruinada” (Isaías 3:8)—porque com teimosia acham que conseguem ser bem-sucedidos sem Deus: “Ai dos filhos rebeldes, diz o Senhor, que tomam conselho, mas não de mim; e que se cobrem com uma cobertura mas não do meu espírito, para acrescentarem pecado sobre pecado” por justificar-se a cada passo (Isaías 30:1). Os rebeldes, os mentirosos não ouvirão a lei do Senhor. Rejeitaram a lei de Deus; rejeitam a lei do sacrifício. Ah sim, eles fazem sacrifício, mas não do jeito que o Senhor ordenou: “Requeri isto de vossas mãos?” (veja Isaías 1:12). Violaram a lei da castidade, pois Israel é uma prostituta. Violaram a lei da consagração, porque são idólatras—cobiçar as coisas para si é a forma de consagração deles. Rejeitaram a lei de Deus porque não fariam as coisas conforme o convênio, e sim segundo a própria vontade deles (veja Isaías 30).
Quem serve de exemplo para os mundanos é aquele espírito mais ambicioso de todos. “Como caíste desde o céu, ó estrela da manã (Lúcifer), filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações! E tu dizias no teu coração: Eu . . . exaltarei o meu trono . . . e no monte da congregação me assentarei” (Isaías 14:12-13). Ele procura governar o mundo, o que de fato faz, com efeitos desastrosos; o resultado: opressão e ruína: “Eis que o Senhor esvazia a terra, e a desola, e transforma a sua superfície, e dispersa os seus moradores. E o que sucede ao povo, assim suceder´ ao sacerdote; ao servo, como ao senhor; à serva como a sua senhora; ao comprador como ao vendedor; ao que empresta como ao que toma emprestado; ao que d´ usura como ao que paga usura. De todo se esvaziar´ a terra, e de todo ser´ saqueada, porque o Senhor pronunicou esta palavra” (Isaías 24:1-3).
Isaías sabe descrever um mundo que está em crise total. Há uma literatura antiga e rica de lamentação, tanto dos egípcios como de Babilônia, que aparece ao longo de milhares de anos, junto a documentos comerciais, cartas e textos religiosos, que confirmam que tais condições realmente prevaleciam no mundo de tempos em tempos exatamente da forma que Isaías as conta, sempre com a mesma histéria social, econômica e financeira. Observem a forte ênfase à economia e finanças na passagem já citada. “Sempre vos lembrais de vossas riquezas,” diz Samuel o Lamanita, e por isso mesmo as perdereis (veja Helamã 13:22, 31). De acordo com ele, são amaldiçoadas e se tornarão “escorregadias,” e Isaías profere uma declaração semelhante: “De todo se esvaziará a terra, e de todo será saqueada . . . A terra pranteia e se murcha . . . porque eles (o povo) têm transgregido as leis, mudado os estatutos, e quebrado a aliança eterna” para agradarem-se a si mesmos (Isaías 24:3-5). “Por isso a maldição tem consumido a terra” (Isaías 24:6); poucos homens restam, tudo está assolado; não há colheita, não chove; portanto muitos são conduzidos ao cativeiro porque não têm conhecimento, e os justos entre eles são famintos; a multidão sofre de sede. “Porque este povo não é povo de entendimento, assim aquele que o fez não se compadecerá dele, e aquele que o formou não lhe mostrará nenhum favor” (Isaías 27:11).
Males da Sociedade
É claro que os homens são responsáveis perante Deus por mostrar bom senso. A auto-decepção custa caro; o Senhor “desfaz os sinais dos inventores de mentiras, e enlouquece os adivinhos; . . . faz tornar atrás os sábios, e converte em loucura o conhecimento deles” (Isaías 44:25). Eles têm odeado Sua palavra e confiam em opressão e perversidade e persistem nelas. São muito cabeça-dura. Persistem até o fim como a brecha de um “alto muro.” Eles permanecerão no seu caminho com grande afinco. Nada os move. Como uma represa alta quando rompe, rompe de vez. (Eis o princípio do “vigésimo-nono dia.”) Primeiro o muro forma uma barriga, e aí cai tudo, “cuja quebra virá subitamente” (Isaías 30:12-13).
Tudo isso acontece porque está tudo fora dos eixos. Ninguém confia em ninguém nesta sociedade competitiva. “Ninguém há que clame pela justiça, nem ninguém que compareça em juízo pela verdade; confiam na vaidade, e falam mentiras; concebem o mal, e dão à luz a iniqüidade” (Isaías 59:4). “Obra de violência há nas suas mãos. Derramam o sangue inocente. Seus pensamentos são os pensamentos da iniqüidade” (veja Isaías 59:6-7). Tudo isso parece programação de televisão. Tal caminho só leva à desconfiança: “Não conhecem o caminho da paz, . . . fizeram para si veredas tortuosas” (Isaías 59:8); “o falar de opressão e rebelião, o conceber e proferir do coração palavras de falsidade. . . . Sim, a verdade desfalece, e quem se desvia do mal arrisca-se a ser despojado” (Isaías 59:13, 15). Só lhes será proveitoso quebrar as regras enquanto houver pessoas simples e fáceis de enganar que cumprem com elas. E se não participarem deste jogo, se tornarão vítimas. Isaías não aplaude tal realismo: “Ai de ti, despojador, que não foste despojado, e que procedes perfidamente contra os que não procederam perfidamente contra ti!” (Isaías 33:1). O Senhor nos adianta ainda mais na nossa dispensação, dizendo-nos que não temos direito de trapacear mesmo àqueles que são espertinhos e procuram-nos enganar: “Ai daquele que mente para enganar, porque supõe que outro minta para enganar, pois esse não está isento da justiça de Deus” (Doutrina e Convênios 10:28).
Naturalmente Isaías nos leva aos tribunais de justiça: “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal” (Isaías 5:20)—sendo isto a arte da retórica, a arte, conforme Platão, “de fazer o bem parecer mal e o mal parecer bem pelo emprego de palavras,” que no mundo antigo se desenvolveu nos tribunais. “Ai dos que são sábios aos seus próprios olhos, e prudentes diante de si mesmos! . . . dos que justificam ao ímpio por suborno, e aos justos negam a justiça!” (Isaías 3: 21, 23). Isso nos lembra de como os ladrões de Gadiânton, quando de posse do governo e os tribunais, quando “obtiveram total controle do governo,” logo “desprezaram os pobres e mansos e os humildes seguidores de Deus” (Helamã 6:39), “ocupando as cadeiras dos juízes” (Helammã 7:4), “deixando os culpados e iníquos impunes, por causa de seu dinheiro” (Helamã 7:5). Eles “justificam ao ímpio por suborno,” diz Isaías (5:23), e ele os adverte no próprio linguajar jurídico que Deus acusará os élderes de Israel e “contra os seus príncipes; é que fostes vós que consumistes esta vinha; o espólio do pobre está em vossas casas!” (Isaías 3:14). O que está em sua casa realmente pertence a estes. “Que tendes vós, que esmagais o meu povo e moeis as faces dos pobres?” (Isaías 3:15. “Ai dos que decretam leis injustas (por sua autoridade intocável), e dos escrivães que prescrevem opressão” (Isaías 10:1)—servindo seus próprios interesses pelas leis que fazem, “para desviarem os pobres do seu direito, e para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo; para despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!” (Isaías 10:2).
Tudo está armado; todo o mundo recebe suborno; a cidade meretriz está cheia de assassinos; os príncipes são rebeldes, companheiros de ladrões; “cada um deles ama as peitas, e anda atrás das recompensas; não fazem justiça ao órfão, e não chega perante eles a causa da viúva” (Isaías 1:23). Mesmo quando claramente tem razão, o pobre não consegue ganhar a causa, porque “o avarento . . . maquina invenções malignas com palavras falsas, mesmo quando o pobre chega a falar retamente” (Isaías 32:7). “ Porque o vil . . . pratica a iniqüidade para usar hipocrisia e . . . proferir mentiras . . . para deixar vazia a alma do faminto, e fazer com que o sedento venha a ter falta de bebida” (Isaías 32:6). O comércio de imóveis é um setor muito explorado por tais pessoas, e os registros antigos, desde os pregadores gregos iniciais, Hesoides e Solon, até os últimos satiristas romanos, inclusive Petrônio, estão repletos de trapaças e golpes pelos quais adquiriram vastas propriedades. “Ai dos que ajuntam casa a casa, reúnem campo a campo, até que não haja mais lugar, e fiquem como únicos moradores no meio da terra!” (Isaías 5:8).]
Isaías tem muito que dizer sobre o comércio, “Peso de Tiro,” a cidade diadema, “cujos mercadores são príncipes e cujos negociantes são os mais nobres da terra.” O Senhor pretende “denegrir a soberba de toda a glória, e envilecer os mais nobres da terra” (Isaías 23:1, 8-9). São pessoas inquietas esses empresários: “Paz, paz, para o que está longe, e para o que está perto . . . mas os ímpios são como o mar bravo, porque não se pode aquietar, e as suas águas lançam de si lama e lodo” (lembrem-se das águas sujas mencionadas por Leí) (Isaías 57:19-20). “Mas os ímpios não têm paz, diz o Senhor” (Isaías 48:22; 57:21). Babilônia é, ao mesmo tempo, agitada e ocupada, egoista e despreocupada; “Ninguém me pode ver,” diz ela, “eu sou, e fora de mim, não há outra” (Isaías 47:10). Ela tem à sua disposição todo o know-how técnico e comercial. Todos os peritos trabalham para ela—encantadores, astrólogos, analistas inteligentes, contadores hábis—mas serão queimados como restolho. No capítulo 13 de Isaías, vemos o peso de Babilônia, a ampla atividade, os ruídos, o corre-corre, a arrogância, a grande fome para lucros neste centro mundial que é outra Sodoma, um abismo de degeneração moral.
A Vanglória das Nações
Por um grande milagre poupou-se a vida do rei Ezequias de Judá e este recebeu mais quinze anos de vida. Numa grande expressão de alegria e gratidão, ele expressou sua gratidão e o alívio infinito de saber que Deus podia dar tudo que se pede a Ele, até a própria vida; de que vale toda a segurança das riquezas do mundo em comparação com isso? Aí aconteceu uma coisa significante. Chegaram os embaixadores de Babilônia, e Ezequias não pôde resistir à tentação de mostrar-lhes toda a tesouraria que representava seu poder e riquezas. “Então o profeta Isaías veio ao rei Ezequias, e lhe disse: Que foi que aqueles homens disseram, e de onde vieram a ti? E disse Ezequias . . . vieram a mim de Babilônia. E disse ele: Que foi que viram em tua casa? E disse Ezequias: Viram tudo quanto há em minha casa; coisa nenhuma há nos meus tesouros que eu deixasse de lhes mostrar. Então disse Isaías a Ezequias: Ouve a palavra do Senhor dos Exércitos: Eis que virão dias em que tudo que houver em tua casa, e o que entesouraram teus pais até ao dia de hoje, será levado para Babilônia; não ficará coisa alguma” (Isaías 39:3-6). O homem não resistiu a exibir seus posses, e sua vaidade somente serviu para despertar a ganância. Gostaram do que viram e voltaram para buscá-lo. Ele havia caído na armadilha.
Isaías entende muito bem do cenário internacional em que o erro fatal é pensar que o destino está nas mãos dos grandes homens da terra, mas a verdade é que não há grandes homens, somente cidadãos comuns que têm ilusões desatrosas de grandeza. Arrogante é uma das palavras prediletas de Isaías.
“E visitarei sobre o mundo a maldade, e sobre os ímpios a sua iniqüidade; e farei cessar a arrogância dos atrevidos, e abaterei a soberba dos tiranos” (Isaías 13:11).
“Farei que o homem seja mais precioso do que o ouro puro, e mais raro do que o ouro fino de Ofir” (Isaías 13:12).
“Os olhos altivos dos homens serão abatidos, e a sua altivez será humilhada; e só o Senhor será exaltado naquele dia” (Isaías 2:11).
“Mas eis que o Senhor, o Senhor dos Exércitos, cortará os ramos com violência, e os de alta estatura serão cortados, e os altivos serão abatidos” (Isaías 10:33).
“A terra pranteia e se murcha; o mundo enfraquece e se murcha; enfraquecem os mais altos do povo da terra. Na verdade a terra está contaminada por causa dos seus moradores; porquanto têm transgredido as leis, mudado os estatutos, e quebrado a aliança eterna. Por isso a maldição tem consumido a terra; e os que habitam nela são desolados; por isso são queimados os moradores da terra, e poucos homens restam” (Isaías 24:4-6).
O que torna grande uma nação? Poder e riquezas é a resposta que se dá hoje em dia; o objetivo é ser primeiro em força militar e poder econômico. Também se pensava assim nos tempos de Isaías: Ai daqueles que dependem de cavalos e carruagens porque são poderosos, mas que “não atentam para o Santo de Israel; . . . os egípcios são homens e não Deus; e os seus cavalos carne, e não espírito” (Isaías 31:1-3). Não se garante segurança alguma através de alianças, nenhuma espada, tantos dos fortes como dos fracos, terá poder de vencer a Assíria; o Senhor tem seus próprios planos para a Assíria, e ninguém poderia ter imaginado o que seriam. Em que consiste a segurança? Ao construir a fortaleza de Jerusalém, cavaram suas próprias covas. A única defesa verdadeira é o chamado do sacerdócio no templo. Quem entra no jogo de poderes políticos, receberá o galardão de sempre.
Os assírios garantiram a segurança. Era a nação de maior poder militar. “Fazei aliança conosco,” disseram a Jerusalém (e Isaías preservou as cartas), “e estareis seguros. Sois tolos. Como é que Deus vos salvará, se não tiverdes exército? Precisais de nós. Deus está do lado de quem tem as grandes batalhões.” Isto é o que se chama Realpolitik, o que sempre tem destruído seus seguidores em tempos modernos. Quando Isaías diz ao povo que confie em Deus e não no Egito, dizem que ele não é realista! Aí vêm os assírios, os super-realistas, com o seu poder invencível—e foram todos mortos ao dormir no acampamento. E as grandes nações? “Eis que as nações são consideradas por ele como a gota de um balde, e como o pó miúdo das balanças” (Isaías 40:15). Todas as nações perante ele não são nada, são consideradas como menos de nada e vaidade porque fazem de conta que são grandes (veja Isaías 10:33). “Porque Tofete já há muito tempo está preparada;” e espera-os agora—(“preparei-lhes uma prisão,” disse o Senhor a Enoque [Moisés 7:38]). “Sim, está preparada para o rei”—para a Assíria. “Ele a fez profunda e larga: a sua pira é de fogo, e tem muita lenha; o assopro do Senhor como torrente de enxofre a acender´” (Isaías 30:33). Não se impressionem com “o poderoso, e o homem de guerra, o juiz, e o profeta, e o adivinho, e o ancião” (Isaías 3:2). Somente existe um ser em que se pode confiar. A Assíria desapareceu de um dia para outro, e nunca mais se ouviu falar dela, ao passo que permanecem conosco até hoje umas nações menores, contemporâneas da Assíria, que não tinham condições de apostar na supremacia militar.
“Mãos Limpas; Coração Puro”
Tão surpreendentes como as caraterísticas que Isaías detesta, são aquelas às quais ele dá valor—não à motivação, iniciativa, indústria, empreendimentos, trabalho duro, e piedade—nenhuma das virtudes zoramitas, embora estas sejam virtudes de verdade quando não são corrompidas por motivos egoístas ou uma obsessão mórbida com a rotina. Permitem-me a observar de passagem que o trabalho, afinal, não é um corre-corre ocupadíssimo e rotineiro, embora esta seja a essência da vida moderna de comércio e estudo, mas consiste na energia suprema e curiosidade disciplinada de abrir novos caminhos. No livro de Isaías as qualidades que Deus exige aos homens são as de que a sociedade trata com ares de superioridade e desdém. Isaías promete as maiores bênçãos e glória aos mansos, humildes, pobres, oprimidos, afligidos e necessitados. Como!? Ser pobre e oprimido é sucesso? Será que ele nos admoesta a unir-nos aos fracassados? Que valor poderá haver em tais condições negativas e submissivas? De fato, há virtude nisso, mas a presença de Satan´s no mundo é um fator decisivo. Temos a promessa que não haverá pobres em Sião. É justamente porque Satanás lá não estará presente com suas artimanhas. Mas ele é o príncipe do mundo atual, livremente permitido, por um tempo, a provar e tentar os homens. Aqui ele manda.
E como é que o diabo nos tenta? Na mitologia universal da raça humana, o diabo é o senhor do submundo que controla os tesouros da terra no seu reino maligno; é Plutão, o deus da riqueza, que, por seu controle dos recursos do mundo, dita os negócios dos homens. A última peça de Aristófanes, o Plutão, é um comentário grande e amargo a respeito do tipo de pessoas que se tornam bem-sucedidos neste mundo. Com certeza um dos temas mais prevalecentes da literatura desde a história egípcia dos dois irmãos, Lazarone e Dives, até as vicissitudes da família Joad de Grapes of Wrath (de Steinbeck). Se acreditamos Isaías, o próprio Filho do Homem era “desprezado e rejeitado” (Isaías 53:3), do qual conclui-se que ser altamente bem-sucedido nesta vida não comprova a virtude definitiva. Porque a pergunta de ouro de Satanás, “Tens por acaso algum dinheiro?” faz um efeito paralizador e misterioso que consegue alistar todos, menos os espíritos mais nobres, na grande conspiração. Diz Isaías: “Por isso o direito se tornou atrás, e a justiça se pôs de longe; porque a verdade anda tropeçando pelas ruas, e a eqüidade não pode entrar. Sim, a verdade desfalece, e quem se desvia no mal arrisca-se a ser despojado” (Isaías 59:14-15). Em outras palavras, quem se recusar a aceitar estas coisas, levará uma surra. Continua Isaías: “O Senhor o viu, e pareceu-lhe mal aos seus olhos que não houvesse justiça” (Isaías 59:15). Todos se aproveitam uns dos outros, e isto não agrada a Deus de jeito nenhum. “Eis que o mundo agora jaz em pecado, ninguém faz o bem, não ninguém, . . . e a minha ira está acesa contra os habitantes da terra para visitar sobre eles conforme a sua impiedade.” São as primeiras palavras do Senhor nesta dispensação, proferidas a Joseph Smith no bosque sagrado. A expressão “o mundo jaz em pecado” exige um esclarecimento à moda de Isaías, e também achamos a explicação da mesma expressão em Doutrina e Convênios 49:20: “Mas não foi determinado que possuísse um homem mais do que o outro; portanto o mundo se acha em pecado.” Mamom (riquezas) é um deus ciumento; não se pode servir a ele e a qualquer outro mestre. Para escapar-se da atração poderosa dos bens do mundo e da ameaça mortal àqueles que não os possuem requer uma alma mansa e humilde—e corajosa!
O que é que Isaías diz que Deus exige àqueles que querem ser justificados (salvos)? Em primeiro lugar devem ser limpos de toda a contaminação: “Lavai-vos, purificai-vos,” diz ele no primeiro capítulo (Isaías 1:16). Não façais vossas orações de mãos cobertas de sangue. O indivíduo de mãos limpas e coração puro, diz o salmista, é aquele que “não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente” (Salmos 24:4). Isaías concorda: é aquele que “rejeita o ganho da opressão, que sacode das suas mãos todo o presente; que tapa os seus ouvidos para não ouvir falar de derramamento de sangue e fecha os seus olhos para não ver o mal” (Isaías 33:15). O povo havia jejuado conforme ordenado por Deus e perplexo perguntou a Isaías por que Deus não o havia escutado. Ao responder-lhe, o profeta disse: “Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, . . . e recolhas em casa os pobres abandonados; e quando vires o nu, o cubras . . . ?” (Isaías 58:6-7). Isto também serve de lembrete que nosso jejum requer uma oferta para os pobres. Deus não se impressiona com os templos magníficos que a humanidade Lhe constroi—em todo caso, tudo pertence a Ele, “mas para esse olharei, para o pobre e abatido de espírito, e que treme da minha palavra” (Isaías 66:2). Se o povo continua a justificar-se—“também estes escolhem os seus próprios caminhos, e a sua alma se deleita nas suas abominações” (Isaías 66:3)—Deus não lhes tirará o arbítrio; dará a eles corda suficiente para enforcarem-se: “Também escolherei as suas calamidades, . . . porquanto clamei e ninguém respondeu; . . . e escolheram aquilo em que eu não tinha prazer” (Isaías 66:4).
Depois de descrever os caminhos de Israel, o peso de Damasco, o peso do Egito, o peso de Babilônia e a Assíria—ou seja, o mundo como é mas não devia ser—Isaías representa em palavras resplandecentes a terra como devia ser—como foi destinada, conforme o propósito para o qual foi criada. “. . . Deus . . . não a criou vazia, mas a formou para que fosse habitada” (Isaías 45:18). A terra estará sob o seu domínio, ele é o Senhor e não há outro. A ele todo joelho dobrará e toda língua confessar´. “E naquele dia . . . o fruto da terra será excelente” (Isaías 4:2). Tudo que resta são Sião e Jerusalém. “. . . o Senhor terá lavado a imundícia das filhas de Sião, e limpado o sangue de Jerusalém” (Isaías 4:4).
Sendo que Babilônia já não é, um grande suspiro de alívio se ouve; por fim o mundo se acalma e descansa. A cidade dourada, a opressora, não é mais (veja Isaías 14:4). A terra toda descansa. “Boas novas aos mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos presos” (Isaías 61:1). “Nunca mais se ouvirá de violência na tua terra, desolação nem destruição nos teus termos” (Isaías 60:18). Pelo contrário, “julgar´ com justiça aos pobres, e repreenderá com eqüidade aos mansos da terra” (Isaías 11:4). “Pois onde está o furor do que te atribulava?” (Isaías 51:13). “Ó vós . . . que não tendes dinheiro, vinde, comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? . . . Vinde a mim, ouvi, e a vossa alma viver´” (Isaías 55:1-3). Que assombroso! Naquele dia o homem valerá mais que ouro—uma viravolta dos princípios do mundo. Ao mesmo tempo voltarão as florestas e as árvores se regozijarão: “Ninguém sobe contra nós para nos cortar” (Isaías 14:8). Freqüentemente Isaías compara a iniqüidade crescente do mundo com a exploração brutal e desperdício da natureza, que está chegando a seu auge na atual geração. Todos nós conhecemos suas passagens mais poéticas: “E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiar´. A vaca e a ursa pastarão juntas, seus filhos se deitarão juntos, e o leão comer´ palha como o boi” (Isaías 11:6-7). Nos meus dias de escola se considerava esta ilustração como se de um Isaías não realista que imaginava um monte de bobagem zoológica. Afinal, o que ele retratou não era a natureza de “dente sangrento e garras” do nosso mundo neo-darwiniano. Desde então muito se tem aprendido sobre a natureza verdadeira de certos animais selvagens. “Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Isaías 11:9). “O deserto e o lugar solitário se alegrarão disto; e o ermo exultará e florescerá como a rosa. Abundantemente florescerá, . . . porque águas arrebentarão no deserto e rebeiros no ermo. E a terra seca se tornará em lagos, e a terra sedenta em mananciais de águas” (Isaías 35:1-2, 6-7); “Para que todos vejam, e saibam, e considerem, e juntamente entendam que a mão do Senhor fez isto, e o Santo de Israel o criou” (Isaías 41:20).
E este mundo feliz é para todos, da mesma forma que a mensagem de cautela e da promessa de perdão de Isaías é para todos. Os filhos do estrangeiro que aderirem ao convênio “eu os levarei ao monte sagrado.” Eles irão ao templo, o qual será chamado “casa de oração para todos os povos” (Isaías 56:7). O Senhor Deus, que congrega os párias de Israel e todos os animais do campo, diz que não haverá mais cães de guarda para tormentá-los; será uma época felicíssima para o homem e o animal (veja Isaías 56:8-10). “Grandes são as palavras de Isaías” (3 Néfi 23:1). Foi-nos mandado examiná-las, estudá-las, ponderá-las, levá-las a sério, e compreender que as calamidades e bênçãos contidas nestas palavras foram destinadas para a nossa geração. Oro que as palavras deste grande profeta possam nos preparar tanto para estas calamidades como para as bênçãos.