O Ensino da Expiação

Tad R. Callister

Tad R. Callister, “O Ensino da Expiação,” in Richard Neitzel Holzapfel and Paulo Renato Grahl, eds., Buscai Diligentemente: Seleções de “o Educador Religioso, trans. Roydon Olsen and Vanessa Fitzgibbon (Provo, UT: Religious Studies Center, 2010), 31–45.

O Élder Tad R. Callister é membro do Segundo Quórum dos Setenta.

Como é que nós, professores do evangelho restaurado, podemos ensinar com efeito a sublime e profunda doutrina da Expiação? Como foi que os profetas a ensinaram? O que podemos aprender por meio deles? [1]

Embora os profetas, ao longo dos séculos, tenham demonstrado talentos variados e capacidades sui generis de ensino, observamos certos princípios fundamentais que se repetem com frequência no seu ministério de ensino. Segue-se uma revisão de alguns dos recursos e técnicas utilizados pelos profetas ao explicarem a doutrina da expiação e seus aspectos infinitos.

Uma Advertência Espiritual

O Rei Benjamim reuniu seu povo, mas não foi para passar um dia de diversão. Ele logo informou aqueles que levaram um dedal, falando figurativamente, em que guardar suas palavras que precesiavam de vasilhas muito maiores: “Meus queridos irmãos, todos que haveis reunido, vós que podeis ouvir as palavras que hoje vos direi; pois não ordenei que viésseis aqui para ouvir levianamente as palavras que direi, mas para que me escuteis e abrais os ouvidos para ouvir, o coração para entender e vossa mente para que os mistérios de Deus vos sejam revelados” (Mosias 2:9). Esta introdução serviu de advertência de que os ouvidos precisavam ser espiritualmente sintonizados e o coração aquebrantado para receber a mensagem de importância superna que logo seguiria. Daí ele pregou um dos sermões mais marcantes já proferidos sobre a Expiação. Muitos anos depois, o Élder Bruce R. McConkie iniciou seu sermão inesquecível a respeito do sacrifício expiatório com estas palavras profundas: “Tenho a impressão, e o Espírito concorda, que a mais importante doutrina que posso declarar e o testemunho mais poderoso que posso prestar são os que se referem ao sacrifício expiatório do Senhor Jesus Cristo.” [2]

Como o Rei Benjamim, o Élder McConkie primeiramente preparou o espírito das pessoas antes de dar sua mensagem inspiradora, de forma que os ouvidos se abriram, a mente se focalizou e o coração se abrandou para receber o grande volume de água viva que estava para ser distribuído a elas. O impacto destas mensagens transformou a vida de muitas pessoas. Aqueles que ouviram as palavras do Rei Benjamim clamaram a uma só voz: “Sim, acreditamos em todas as palavras que nos disseste; . . . de modo que não temos mais disposição para praticar o mal, mas, sim, de fazer o bem continuamente” (Mosias 5:2).

Estes dois profetas a que me referi começaram o sermão por chamar nossa atenção espiritual. Foi uma advertência, uma chamada, para nos alertar que a mensagem que seguiria merecia mais do que a atenção leviana dos ouvintes, mensagem esta que requeria atenção intensa e toda a nossa capacidade espiritual. Por quê? Porque estes profetas sabiam que a bela, porém difícil, doutrina da Expiação só é compreendida por aqueles que estão preparados espiritualmente. Sua mensagem serve de lembrete comovente do estado de espírito reverente que devemos buscar antes de começar a ensinar aquela doutrina que Robert L. Millet chama “a doutrina das doutrinas.” [3]

Lançar o Alicerce

Não se pode dominar o estudo de cálculo sem primeiro dominar a álgebra. O processo do aprendizado requer certa ordem. Isaías nos ensinou: “A quem, pois, se ensinaria o conhecimento? E a quem se daria a entender doutrina? Ao desmamado do leite, e ao arrancado dos seios?” Daí ele deu uma fórmula simples porém profunda para dominar as doutrinas da Igreja: “mandamento sobre mandamento, regra sobre regra” (Isaías 28:9–10). O Presidente Ezra Taft Benson nos ensinou: “Ninguém sabe de forma adequada e apropriada por que era preciso que houvesse um Cristo sem primeiro enteder e aceitar a doutrina da Queda e seus efeitos em toda a humanidade.” [4]

Os estudantes aprendem rapidamente a impossibilidade de compreender a expiação sem primeiro compreenderem a Queda. Leí proferiu um belo discurso sobre a expiaçao (vide 2 Néfi 2). Ao dar o discurso ele primeiramente explicou as condições que existiam no Jardim do Éden.

Então, depois desta introdução, Benjamim fez um resumo sucinto de por que o Salvador veio: “E o Messias vem na plenitude dos tempos para redimir da queda os filhos dos homens” (2 Néfi 2:26). Assim aprendemos que a expiação se tornou necessária para corrigir certas condições causadas pela Queda (por exemplo, a morte física e espiritual). Alma, ao aconselhar seu filho desobediente, Coriânton, discerniu: “E agora, meu filho, eu percebo que existe algo mais que te preocupa e que não podes compreender, relativo à justiça de Deus na punição do pecador.” Então ele disse: “Agora, meu filho, eis que te explicarei isto.” (Alma 42:1–2). Nos seguintes onze versículos, Alma lança o alicerce de sua resposta por meio de detalhar as condições existentes no Jardim do Éden e as consequências da Queda. Só depois disso é que ele começou a explicar a relação entre a justiça, a misericórdia e a expiação.

Devido à necessidade de entender a Queda antes de compreender plenamente os propósitos da expiação, acho útil o seguinte diagrama para ajudar os alunos a entenderem como a expiação corrige, ou redime, as conseqüências negativas da Queda:

Antes da Queda

Depois da Queda

Depois da Expiação

1. Imortalidade (+)

Gênesis 2:17

1. Mortalidade (-) Gênesis 2:17

1. Ressurreição (+) (sem condições, é para todos)

1 Coríntios 15:20–22

2. Convívio com Deus (+)

Gênesis 3:8; Moisés 4:14

2. Morte espiritual (-)

a. Primeira morte espiritual (nascer for a da presença de Deus)

D&C 29:41; 2 Nephi 9:6

b. Segunda morte espiritual (separação de Deus devido ao pecado individual)

Alma 34:15–16; Alma 42:13–16

2. Sobrepujada a morte espiritual (+) a. Para todos, pois todos voltarão à presença de Deus para serem julgados 2 Néfi 2:20; 2 Néfi 9:38; Alma 12:15; Alma 42:23; Helamã 14:15–18; Mórmon 9:12–14

b. Condicional, pois só se pode vencer a morte espiritual por arrependimento.

Helamã 14:15–18; Morôni 9:12–14

3. Inocência (-)

2 Néfi 2:23

3. Conhecimento do bem e do mal (+) Gênesis 3:5; Alma 42:33. Pleno conhecimento do bem e do mal (+) João 14:26

4. Sem filhos (-)

2 Néfi 2 :23

4. Filhos (+)

2 Néfi 2:25; Moisés 5:11

4. Prole eterna (+) D&C 132:19

O Livro de Mórmon ao Resgate

A doutrina da Queda e da Expiação é o âmago do cristianismo, porém persistem muitas ideias erradas quanto a seu significado porque a Bíblia, por inspirada que seja, sofreu a supressão, nos manuscritos originais, de “muitas coisas claras e preciosas” (1 Néfi 13:28). Por isso, “um grande número tropeça, sim, de tal maneira que Satanás tem grande poder sobre eles” (1 Néfi 13:29). O Élder McConkie certa vez fez este desafio: “Escolha as cem doutrinas mais báscias do evangelho e em baixo de cada doutrina faça duas colunas paralelas, uma com o cabeçalho Bíblia e a outra com o cabeçalho Livro de Mórmon. Daí, escreva nestas colunas o que cada livro ensina a respeito de cada doutrina. O resultado mostrará, sem dúvida, que em noventa e cinco por cento dos casos, os ensinamentos do Livro de Mórmon serão mais claros, mais simples, mais detalhados e melhores do que os da Bíblia. Se alguém tiver dúvidas a respeito disso, que faça este teste, um teste pessoal.” [5]

Este desafio se aplica mais à expiação do que a qualquer outra doutrina. Sem o Livro de Mórmon, muitos equívocos surgiram no mundo cristão a respeito desta doutrina tão chave. Por exemplo:

Primeiro equívoco: Há muitos que ensinam que Adão e Eva teriam gerado filhos no Jardim do Éden, se fosse permitido que eles ficassem no jardim. Depois da transgressão deles no jardim, o Senhor disse que “com dor darás à luz filhos” (Gênesis 3:16). Segundo a interpretação de alguns, se não houvesse uma transgressão, Adão e Eva, sem dores, teriam dado à luz filhos no Jardim do Éden. Mas o Livro de Mórmon revela a verdade: “E não teriam tido filhos” (2 Néfi 2:23; vide também Moisés 5:11).

Segundo equívoco: Alguns ensinam que Adão e Eva viviam num estado de alegria, de felicidade sem igual, no jardim. Outra vez o Livro de Mórmon ensina a verdade: “Portanto teriam permanecido num estado de inocência, não sentindo alegria por não conhecerem a miséria; não fazendo o bem por não conhecerem o pecado” (2 Néfi 2:23). Devido a estes primeiros dois equívocos, grande parte do mundo cristão acredita que a Queda se trata de um passo trágico para trás. Concluem inocentemente, porém erroneamente, que se Adão não tivesse caído, todos nós teríamos nascido no Jardim do Éden e, daí em diante, vivido num estado de alegria eterna. Tal racioncínio, porém, negaria a necessidade da Expiação, um evento já pré-ordenado na vida pré-mortal (vide Éter 3:14). João também testificou disso quando falou do Salvador como sendo “o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Apocalipse 13:8).

Terceiro equívoco: Há quem ensine que por causa da Queda todas as criancinhas são maculadas pelo pecado original. Mórmon repreendeu fortemente aqueles que acreditavam deste jeito: “Sei que é um sério escárnio perante Deus batizar criancinhas.” Ele citou o Salvador ao explicar o motivo por que não é necessário batizá-las: “Os sãos não precisam de médico, mas sim os que estão doentes; portanto as criancinhas são sãs, por serem incapazes de pecar; portanto a maldição de Adão é delas removida por minha causa, de modo que sobre elas não tem poder” (Morôni 8:8, 9).

Quarto equívoco: Certas pessoas acreditam que só a graça pode nos salvar, independente de nossas obras. Néfi coloca a doutrina de fé e obras no contexto certo: “Pois trabalhamos diligentemente para escrever, a fim de persuadir nossos filhos e também nossos irmãos a acreditarem em Cristo e a reconciliarem-se com Deus; pois sabemos que é pela graça que somos salvos, depois de tudo o que pudermos fazer” (2 Néfi 25:23). Nós não ganhamos nossa salvação só por nossos esforços, mas Néfi ensinou que devemos contribuir com os nossos melhores esforços para que Deus possa nos conceder a graça. C. S. Lewis acertou este ponto quando, ao discutir o antigo debate entre fé e obras, disse: “Não me parece que convem perguntar qual das lâminas de uma tesoura é a mais necessária.” [6]

Quinto equívoco: Outro conceito falso é que a ressurreição física do Salvador é um mero símbolo mas que nós ressuscitaremos sem as “limitações” de um corpo físico. Alma, porém, não deixou dúvidas quanto à natureza corporal da ressurreição: “A alma será restituída ao corpo e o corpo, à alma . . . sim, nem um fio de cabelo da cabeça será perdido” (Alma 40:23).

Sexto equívoco: Muitas pessoas ensinam que a Expiação não tem o poder de nos transformar em deuses; de fato, segundo elas, tal ideia se trata de blasfêmia. O próprio Salvador, porém, nos deu um desafio divino: “Portanto, que tipo de homens devereis ser? Em verdade vos digo que devereis ser como eu sou” (3 Néfi 27:27). O capítulo final do Livro de Mórmon reforça esta doutrina tão elevada: “Sim, vinde a Cristo, sede aperfeiçoados nele . . . pela graça de Deus, por meio do derramamento do sangue de Cristo” (Morôni 10:32–33).

Embora Néfi soubesse que muitas coisas claras e preciosas seriam tiradas da Bíblia, ele, de igual modo, sabia que o Livro de Mórmon, entre outros escritos sagrados, viria ao salvamento: “Estes últimos registros que viste entre os gentios confirmarão a verdade dos primeiros, que são dos doze apóstolos do Cordeiro, e divulgarão as coisas claras e preciosas que deles foram suprimidas” (1 Néfi 13:40).

O Presidente Ezra Taft Benson falou da necessidade absoluta do Livro de Mórmon para podermos compreender a divindade e a Expiação do Salvador: “Grande parte do mundo cristão de hoje rejeita a divindade do Salvador. Duvidam de seu nascimento milagroso, de sua vida perfeita e da realidade de sua gloriosa ressurreição. O Livro de Mórmon ensina de forma clara e exata a verdade acerca de todos estes assuntos. Também contém a explicação mais completa da doutrina da Expiação. Em verdade este livro inspirado é a pedra fundamental para podermos prestar testemunho ao mundo de que Jesus é o Cristo.” [7]

O Livro de Mórmon é como uma mina de ouro para se descobrir as verdades magníficas sobre a Expiação. Segue-se uma amostra dos muitos capítulos cheios do ouro da verdade para aqueles que estiverem dispostos a minar:

2 Néfi 2 (Leí) Alma 40 e 42 (Alma)
2 Néfi 9 (Jacó) Helamã 14 (Samuel)
Mosias 2–5 (Rei Benjamim) 3 Néfi 11 (o Salvador)
Alma 34 (Amuleque) Morôni 10 (Morôni)

Ao banquetearmos com as palavras do Livro de Mórmon, conseguiremos ver, de modo espiritual, o glorioso retrato do sacrifício expiatório do Salvador.

O Poder de uma Boa Pergunta:

Como é que a Expiação do Salvador será infinita?
O Salvador sofreu pelos pecados da humanidade tanto no Jardim de Getsêmani como na cruz?
Pôde Ele, um homem perfeito, entender o que é ter fraquezas e ser rejeitado?
Havia um plano alternativo, caso Ele resolvesse não ir adiante?
Pode alguém sofrer por seus próprios pecados e ainda ser redimido?

O poder de uma boa pergunta é de valor incalculável. De certa forma é como um despertador mental que nos acorda do sono espiritual. Pode servir de catálise para dar partida no nosso motor cerebral. Ela faz as rodas da mente andarem e nos dá certa inquietação, um anseio que nos faz concentrar no assunto até vir aquele alívio que vem em forma de uma resposta que satisfaz a mente e acalma o coração. Antes de vir a resposta é como se estivéssemos vendo um quadro pendurado torto na parede sem podermos endireitá-lo, ou, um quebra-cabeça que não se pode completar por falta de uma só peça—há um urgência irrestitível de indireitar o quadro ou colocar a peça final no lugar. Até descobrirmos a solução, a mente fica em marcha acelerada, levando em conta todas as opções, ponderando, peneirando e escolhendo até que se descubra a solução. Há uma grande diferença entre ouvir a resposta e descobrir a solução. É como receber um quadro de presente em vez de pintá-lo, receber um livro em vez de escrevê-lo, ou escutar o Concerto número 3 de piano de Rachmaninoff em vez de tocá-lo. Descobrirmos a solução nos traz imensa satisfação, dá-nos posse, grava um registro permanente no nosso banco de dados e deixa de ser uma coisa transitória.

Há muitos tipos de perguntas. Há perguntas circunstanciais ou de informações de background. Tais perguntas, porém, geralmente se tratam de um meio de chegar a uma finalidade. Por exemplo: Onde nasceu o Salvador? Por quanto tempo ficou no Jardim de Getsêmani? Estas perguntas ajudam a definir o cenário, mas em si, não nos emocionam nem motivam. Não obstante, um cenário factual muitas vezes se trata de um pré-requisito necessário para descobrir e entender as verdades mais profundas.

Há perguntas que nos incentivam a fazer uma auto-análise. A pergunta de Deus para Adão: “Onde estás?” (Gênesis 3:9), foi mais do que uma pergunta sobre a localização física de Adão. Foi uma indagação sobre o estado espiritual de Adão. O clímax do sermão de Alma ao povo de Zaraenla consiste em onze perguntas introspectivas consecutivas, tais como, “Haveis nascido espiritualmente de Deus? Haveis recebido sua imagem em vosso semblante? Haveis experimentado esta poderosa mudança em vosso coração?” (Alma 5:14). Um professor atencioso poderá fazer perguntas semelhantes que requeiram uma auto-análise da fé e da dignidade dos alunos: Você acredita que pode ser totalmente absolvido de seus pecados por causa do sacrifício infinito do Salvador? Você tem fé de que sua Expiação lhe proporciona a cura de suas fraquezas, pecados, infermidades e faltas? Você tem um coração quebrantado e um espírito contrito?

Há outras perguntas que podem nos elevar de nível de compromisso para com o Senhor. Três vezes o Salvador perguntou a Pedro: “Tu me amas?” (João 21:15–17). Sem dúvida, Pedro respondeu com cada vez mais emoção, um compromisso ainda mais profundo ao Santificado. Os professores podem fazer perguntas semelhantes: Você ama o Salvador de tal modo que perdoa os outros como Ele nos perdoa? Apreciamos seu sacrifício ao ponto de nos comprometermos a consagrar tudo que possuímos para adiantar a causa dele?”

As perguntas tambêm podem servir de respostas eficazes. Coriânton queria saber por que a vinda de Cristo “seria conhecida tão antecipadamente.” A resposta que seu pai, Alma, lhe deu consistia em uma série de perguntas: “Eis que te pergunto: Não é uma alma tão preciosa para Deus agora, como o será na ocasião de sua vinda? Não é tão necessário que o plano de redenção seja dado a conhecer a este povo, quanto a seus filhos?” (Alma 39:17–18). Se um estudante perguntasse: “A Expiação é retroativa? Pode o povo do Velho Testamento receber seus benefícios antes que o preço fosse pago?,” resistindo a tentação de dar uma resposta instantânea, um professor sábio poderia responder com outra pergunta: “Há algo na nossa sociedade atual que nos permite desfrutar os benefícios antes de pagar o preço?” A palestra que se segue pode incluir o exemplo do cartão de crédito, enfatizando o fato do conceito crediário do Salvador ser de “ouro puro,” pois na existência pré-mortal Ele sempre cumpriu sua palavra. De igual modo, sob as leis de justiça, os benefícios da Expiação poderiam advir àqueles que viveram antes que o preço fosse pago, pois não havia dúvida de que Ele pagasse “a conta” tanto no jardim (take out “e”) como na cruz (vide Alma 39 cabeçalho e Mosias 3:13).

Uma boa pergunta pode muitas vezes ser a base de uma aula ou sermão inteiros. Assim foi o caso de Amuleque, o qual discerniu “que a grande pergunta que tendes em mente é se a palavra está no Filho de Deus ou se não haverá um Cristo” (Alma 34:5). Ao responder, Amuleque deu seu discurso maravilhoso sobre a natureza infinita da Expiação.

E Ainda Mais

Como é que um mero mortal pode entender o amor e sacrifício infinitos do Salvador? Naturalmente um mortal não pode entendê-los por completo. Mas os profetas fizeram muito para nos ajudar a compreender por meio de comparar a Expiação a duas formas de amor que conhecemos e por explicar que a Expiação é tudo isso e ainda mais, muito mais.

Um dos exemplos se refere à história de Abraão e Isaque. Ao falar do sacrifício de Isaque que Abraão ia fazer, o profeta Jacó observa que este evento simbolizava o sacrifício do Filho Unigênito por Deus (Jacó 4:5). Seria difícil, senão impossível, um pai contemplar uma provação maior do que sacrificar seu filho amado, aquele pelo qual as bênção da eternidade fluiriam. Que pai não teria empatia por Abraão quando amarrou seu filho e desenbainhou a faca para derramar o sangue deste filho da promessa? A dor deve ter sido amargamente aguda, as emoções agitantes, enquanto ele levantava a mão para dar a facada fatal. Mas naquele instante o anjo de misericórdia o livrou da ordem: “Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porque agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho” (Gênesis 22:12). Então Abraão encontrou um cordeiro no mato para ser “a ovelha expiatória” no lugar de seu filho; mas para o Nosso Pai Celestial não haveria cordeiro no mato nem anjo de misericórdia para apartar de seu filho a mão da morte. O sacrifício que Nosso Pai fez seria tudo que Abraão teria feito, e ainda mais.

Isaías sabia que não havia amor como o de uma mãe pelo filho que cria. Entaõ ele perguntou: “Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria?” Por rara que esta possibilidade seja, ele a usou como régua espiritual para mostrar que o amor infinito de Deus ultrapassa o de uma mãe, sim, por muito. “Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei de ti. Eis que nas palmas das minhas mãos eu te gravei” (Isaías 49:15–16). Para que não houvesse dúvidas, as marcas dos cravos da cruz serviriam de lembrete tangível de que seu amor ultrapassou até o de uma mãe pelo filhinho.

Estes exemplos nos fazem contemplar a profundidade de nossas emoções. São janelas que nos dão vistas do infinito. Embora não possamos compreender plenamente a Expiação, estes exemplos servem de vistas momentâneas do amor sem limites que possuem o Pai e o Filho.

A Pura Doutrina da Expiação

Talvez o discuro mais eloquente revelado nas escrituras a respeito da (take out extra “a”) Expiação seja o do Rei Benjamim (vide Mosias 2–5). Em suas próprias palavras, ele disse: “Falei-vos claramente para que pudésseis compreender” (2:40). Ele procedeu de forma clara e exata, linha por linha, versículo por versículo, com lógica sucinta e testemunho inequívoco e incontestável. Este sermão penetra a alma e explica as maravilhosas verdades de forma não diluída ao transmitir a pura doutrina. Não há necessidade de citar fontes ou evidências históricas. Nada disso é necessário porque os Santos, já espiritualmente maduros, estavam prontos e ansiosos para receber a doutrina da Expiação na sua plenitude. E assim se fez.

O que se segue é uma narrativa da doutrina da Expiação da forma mais resumida e exata que consigo fazer. Talvez quando estivermos preparados espiritualmente e os alunos estiverem preparados também, nós possamos, como o Rei Benjamim, administrar a dose completa e falar com muita franqueza para que “aquele que prega e aquele que recebe se compreendam um ao outro e ambos sejam edificados e juntos se regozijem” (D&C 50:22).

A doutrina da Expiação é a mais superna, iluminadora, intensa doutrina que se conhece neste mundo e universo. É justamente esta doutrina que dá vida, fôlego e substância a todos os princípios e ordenanças do evangelho. É a represa espiritual que alimenta os riachos de fé, proporcionando o poder de ablução das águas do batismo e passando o bálsamo que cura as feridas da alma. É o enfoque do sacramento, do templo e das ordenanças do evangelho. É o alicerce de pedra sobre o qual se edifica toda a esperança desta vida e da eternidade.

Por sua própria definição, a Expiação é a missão preordenada do Salvador. É o amor que Jesus Cristo mostrou, o poder que manifestou e o sofrimento que padeceu em três lugares principais, a saber: o Jardim de Getsêmani, a cruz do Calvário e a sepultura de Arimateia. É o ato universal de suprema submissão em que o Salvador cedeu por completo sua própria vontade à de seu Pai.

A Expiação se tornou necessária devido à Queda de Adão. Leí esclareceu: “E o Messias vem na plenitude dos tempos para redimir da queda os filhos dos homens” (2 Néfi 2:26). A transgressão de Adão se chamou a Queda porque Adão e Eva caíram da presença de Deus e também caíram da imortalidade para a mortalidade. Assim um dos propósitos da Expiação é o de redimir os homens das consequências negativas da Queda. O Salvador fez isso, em parte, por meio de morrer na cruz e, depois, levar a efeito para todos a Ressurreição. Paulo assim testificou: “Assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1 Coríntios 15:22). Além disso, o Salvador sofreu pelos pecados de todos e até sangrou por todos os poros, o que fez com que houvesse condições de arrependimento. Pelas suas pisaduras somos sarados. Isaías ensinou que este processo de sarar é completo: “Vinde então, e argui-me, diz o Senhor: ainda que vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã” (Isaías 1:18).

Mas a Expiação tem um propósito a mais: não só redimir-nos (reconciliar-nos da Queda) e sim aperfeiçoar-nos. A Expiação foi instituída para fazer mais do que nos pôr outra vez no ponto de partida, mais do que nos abluir, mais do que fazer-nos inocentes. Foi projetada para nos proporcionar uma dotação (investidura) celestial que nos possibilitará alcançar a perfeição divina. Como chegamos lá? Devido à Expiação somos abluídos nas águas do batismo. Devido a esta purificação estamos aptos para receber o dom do Espírito Santo; e com este dom temos direito aos dons do Espírito (isto é, conhecimento, paciência, amor, etc.), sendo cada um deles uma caraterística da Divindade. Assim, ao adquirirmos os dons do Espírito, que se tornou possível por meio do poder purificador da Expiação, adquirimos as caraterísticas de Deus.

Devido a sua natureza abrangente e eterna, certos profetas do Livro de Mórmon se referiram à Expiação como a “expiação infinita” (2 Néfi 9:7; 2 Néfi 25:16; Alma 34:10, 12).

A Expiação é infinita em questão de divindade porque foi realizada pelo Santíssimo, o Unigênito de Deus que possui, sem limites, todas as caraterísticas divinas (vide D&C 109:77).

É infinito em poder porque o Salvador era o único que possuía os três poderes necessários para nos salvar e exaltar, ou seja, o poder de nos ressuscitar dentre os mortos, o poder de nos redimir do pecado e o poder de nos dotar de atributos divinos (vide João 11:25; Alma 12:15; Mo­rôni 10:32–33).

É infinito em tempo, tanto no futuro como no passado (vide Alma 34). O Rei Benjamim declarou: “Todo aquele que acreditar na vinda de Cristo receberá a remissão de seus pecados e regozijar-se-á com grande alegria, como se ele já tivesse vindo a eles” (Mosias 3:13).

É infinito em extensão posto que proporcionou a ressurreição de todas as coisas viventes e, além disso, a possibilidade de redenção e perfeição para todas as pessoas do mundo das quais o Salvador foi criador (vide D&C 76:23–24, 40–43).

É infinito em profundidade—cobre tudo. O Salvador “desceu abaixo de todas as coisas” (D&C 88:6), o que significa que Ele desceu abaixo de nossos pecados para que até “os mais vis pecadores” (Mosias 28:4) e “os mais perdidos da humanidade” (Alma 24:11) pudessem ser redimidos por sua misericórdia. Ademais, seu sacrificio desceu abaixo de toda as condições humanas, até às coisas que não se relacionam ao pecado. Portanto ele compreende a solidão de uma viúva, entende a dor agonizante que os pais sentem quando um filho se desvia do caminho e Ele tem dó daqueles que passam pelo sofrimento do câncer e de todas as outras doenças debilitantes dos seres humanos. Por incrível que pareça, ele, um homem perfeito, compreende todas as fraquezas e injúrias do ser mortal. Não há nenhuma condição temporal, por feia ou cruel que seja, que tenha escapado de sua compreensão. Ninguém poderá dizer nos juízo final: “Tu não compreendeste minha situação única.” Pois ele entende. Ele “compreende todas as coisas” (Alma 26:35) porque “desceu abaixo de todas as coisas” (D&C 88:6). Ele não só tem uma reserva de poderes redentores como também uma reserva infinita de poderes curativos. Ele não somente nos redime os pecados mais grosseiros como também tem o poder de curar a menor dor ou a fraqueza mais insignificante. Ele é o grande Mestre Curador, o Mestre Conselheiro, o Mestre Consolador. Não há dor que ele não possar aliviar, nem rejeição que ele não possa apaziguar, nem solidão que não possa consolar, nem fraqueza que não possa fortalecer. Quaisquer que sejam as aflições que o mundo nos lançar em rosto, ele poderá remediar com seu poder superior de cura todas elas. Sua Expiação é infinita porque circunscreve e engloba todas as condições finitas que os mortais conhecem.

Sua Expiação é infinita em sofrimento. O Salvador falou do cálice amargo e terrível cujo “sofrimento fez com que eu, Deus, o mais grandioso de todos, tremesse de dor e sangrasse por todos os poros; e sofresse, tanto no corpo como no espírito—e desejasse não ter de beber a amarga taça e recuar—(D&C 19:18). O sofrimento começou no Getsêmani (embora ele tivesse sofrido de outras formas ao longo da vida) onde ele suou sangue por todos os poros, e concluiu no Calvário, onde ele clamou: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” (Mateus 27:46). Ele padeceu todo o sofrimento sozinho, sim, toda a condição humana. Seus divinos poderes não serviam de escudo contra seu sofrimento, pelo contrário, quando a dor que padecia já teria matado um mero ser mortal, o Salvador reuniu suas divinas forças não para se imunizar, e sim para postergar a morte até sofrer todas as dores já padecidas por todas as pessoas de todos os mundos. Só depois de fazer isso é que ele pôde sacrificar a própira vida de sua livre e espontânea vontade.

Finalmente, sua Expiação é infinita em amor—tanto o do Filho como o do Pai. A mente humana não pode compreender tal amor. Isto faz parte da santidade e beleza do evento. É algo que se tem que sentir e não só compreender pelo racioncínio humano. O dia virá em que entenderemos a divina declaração: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3:16). Assim, Todo joelho se dobrará e toda boca confessará que Jesus é o Cristo.

O Salvador é a única esperança nossa de salvação e exaltação. Não há nenhum “substituto,” caminho alternativo nem plano secundário. O Rei Benjamim afirmou: “Nenhum outro nome se dará, nenhum outro caminho ou meio pelo qual a salvação seja concedida aos filhos dos homens, a não ser em nome e pelo nome de Cristo, o Senhor Onipotente” (Mosias 3:17).

Ao fazer o sacrifício supremo, o Salvador satisfez todas as exigências de justiça e exerceu a misericórida completa. Ele pagou o terrível preço, o preço infinito, para nos redimir e nos aperfeiçoar. Ele é, de verdade, nosso Salvador, nosso Redentor e nosso Exemplo.

A Expiação em uma Estufa Espiritual

A doutrina da Expiação é como uma boa semente plantada na terra. Se, porém, a semente não for nutrida e instruída num ambiente de espiritualidade, gratidão e testemunho, nunca florecerá aos olhos do jardineiro. Às vezes a forma de falar algo é tão importante como o conteúdo da mensagem.

Quando o Salvador completou o Sermão da Montanha, “a multidão se admirou da sua doutrina,” e as escrituras nos dizem por quê: “Porquanto os ensinava como tendo autoridade; e não como os escribas” (Mateus 7:28–29). Néfi nos deu a mesma receita para o ensino eficaz: “Quando um homem fala pelo poder do Espírito Santo, o poder do Espírito Santo leva as suas palavras ao coração dos filhos dos homens” (2 Néfi 33:1).

Alguns professores podem desempenhar o papel de guardas, outros ficam controlando o relógio até completar a aula, alguns entretêm os alunos, outros passam fatos e informações, alguns conseguem motivar e alguns são professores inesquecíveis que invocam o Espírito, são aqueles que não somente têm o poder de nos motivar a fazer boas obras por um tempinho, mas que fazem uma mudança permanente em nosso coração. A doutrina da expiação florece neste último ambiente que citei. Não se substitui o Espírito—nenhuma técnica didática tem tanto poder, pois só pelo Espírito é que a doutrina da Expiação torna-se viva em nós.

Expressões de gratidão e amor incrementam a nutrição da semente, combatem argumentos, nos fazem refletir e criam um ambiente de humildade e aceitação da verdade. Quem poderá escutar as palavras emocionantes de gratidão proferidas pelo Élder McConkie no seu sermão final e não sentir uma relação íntima com o Salvador e gratidão eterna por seu excelente sacrifício: “Eu sou uma de suas testemunhas e num dia futuro apalparei as marcas dos cravos nas suas mãos e nos seus pés e molharei seus pés com minhas lágrimas.” [8]

Vez após vez a doutrina da Expiação é acompanhada pela força de testemunho. Amuleque proclamou ousadamente: “E agora eis que eu próprio vos testifico que estas coisas são verdadeiras. Eis que vos digo que sei que Cristo virá entre os filhos dos homens para tomar sobre si as transgressões de seu povo e que ele expiará os pecados do mundo; porque o Senhor Deus o disse” (Alma 34:8). Não obstante, não há ocasião em que o testemunho tenha sido prestado com mais poder do que na do próprio testemunho do Salvador: “Bebi da taça amarga que o pai me deu e glorifiquei o Pai, tomando sobre mim os pecados do mundo, no que me submeti à vontade do Pai em todas as coisas desde o princípio” (3 Néfi 11:11). Tal testemunho faz nosso espírito tremer, nos enche de ardor e grava a palavra de Deus em nosso coração.

Em tais ambientes os profetas têm lançado desafios para transformar nossa vida. Foi Jacó que desafiou de forma poderosa:: “Por que não falar, pois, na expiação de Cristo e conseguir um perfeito conhecimento dele, assim como um conhecimento da ressurreição e do mundo futuro?” (Jacó 4:12). Ao dar seu último sermão, o Rei Benjamim desafiou os ouvintes: “Se acreditais em todas estas coisas, procurai fazê-las” (Mosias 4:10). A reação de seus alunos espirituais foi milagrosa. Regozijaram-se “com tão grande alegria” e prometeram: “Estamos dispostos a fazer um convênio com nosso Deus, de cumprir a sua vontade e obedecer a seus mandamentos em todas as coisas que ele nos ordenar, para o resto de nossos dias” (Mosias 5:4–5). Que mais pode um professor esperar?

Espírito, gratidão, testemunho e desafio—estes são o nutrientes na estufa espiritual que fazem com que a doutrina da Expiação cresça e floreça em nosso coração de forma bela e radiante. Ensinar esta doutrina requer o que há de melhor e de mais elevado dentro de nós, nossa criatividade, um espírito brando e nossa maior capacidade intelectual, pois, na verdade jamais ensinaremos uma doutrina tão profunda e comovente.

Notas

[1] Este ensaio se trata de um resumo e reflexão do livro The Infinite Atonement (A Expiação Infinita) (Salt Lake City: Deseret Book, 2000) deste autor.

[2] Bruce R. McConkie, “The Purifying Power of Gethsemane,” Ensign, May 1985, 9.

[3] Robert L. Millet, “Foreword,” in Tad R. Callister, The Infinite Atonement (Salt Lake City: Deseret Book, 2000), ix.

[4] Ezra Taft Benson, A Witness and a Warning (Salt Lake City: Deseret Book, 1988), 33.

[5] Bruce R. McConkie, A New Witness for the Articles of Faith (Salt Lake City: Deseret Book, 1985), 467.

[6] C. S. Lewis, Mere Christianity (New York: Collier Books, 1996), 129.

[7] Ezra Taft Benson, A Witness and a Warning (Salt Lake City: Deseret Book, 1988), 18.

[8] McConkie, “The Purifying Power of Gethsemane,” 10.